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São Paulo, terça-feira, 22 de abril de 2003

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LIVRO/CRÍTICA

Coleção supervaloriza a função do texto teatral

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Nos primeiros anos da ditadura militar no Brasil, era comum uma certa esquizofrenia da política cultural oficial: o Ministério da Cultura organizava concursos de dramaturgia, e os premiados eram imediatamente censurados.
Isso criou o mito de que havia gavetas cheias de obras-primas, à espera da abertura. Depois que a abertura veio, a culpa pelo não-florescimento da dramaturgia nacional foi atribuída a um desinteresse sistemático pelo que é "nosso", os produtores só se interessando pelo "de fora".
Os grupos, no entanto, cansados de esperar por um novo Vianinha, fizeram seus próprios textos, primeiro em criações coletivas, depois no esquema de dramaturgia participativa, no qual o dramaturgo não é o "autor", mas uma parte da equipe que divide a autoria do espetáculo.
A crise, como se vê, não é do texto nacional, mas da idéia do dramaturgo de gabinete, que cria seu produto e fica à espera de quem o compreenda.
A coleção "Teatro Brasileiro" parte de um princípio inatacável: publicar com regularidade textos nacionais para o teatro, variando gêneros (uma comédia, um drama, um infantil, textos inéditos e consagrados) e com distribuição gratuita para escolas e bibliotecas. Isso teria o mérito de se contrapor ao excessivo marketing das produções estrangeiras.
Acontece que o texto teatral não é a essência do teatro. Neste volume 5, por exemplo, o instigante texto de Bosco Brasil, "O Acidente", serve como lembrança ou atiça a curiosidade de quem não viu a montagem de Ariela Goldmann em 2000.
As pausas, assim como os diálogos ágeis, são matéria-prima para o trabalho dos atores, como sabe o experiente Bosco, por isso lacônico em suas rubricas.
A mesma prudência não tem Juca de Oliveira, que pontifica instruções cênicas como se disputasse o poder com o diretor.
Exige "luz para brilhar os olhos dos atores", explica o que é comédia de costumes, antes de apresentar "a Babá", um vaudeville pré-ibseniano, que mostra os perigos para a família da mulher trabalhar fora. Seria menos patético, se Oliveira não se propusesse a ser discípulo de Boal.
Arrogando-se a função do diretor, acaba soando principiante como Polo Jaru, que prevê em "O Mistério do Dedo Enterrado" um palco giratório apenas para uma cena de efeito.
É divertido saber que o autor fala de fatos verídicos, mas o mistério de sua identidade não terá tanta importância se houver montagem, quando o texto se dilui no espetáculo.
Por si só, o texto dá uma idéia apenas aproximada do que se pode ver no palco. É difícil entender, por exemplo, a boa recepção crítica da "Canção de Assis", de Júlio Fischer, que no papel parece piegas e maniqueísta.
Para cumprir perfeitamente sua função, o texto teatral deveria ser sempre publicado sim, mas distribuído junto ao programa durante a temporada. Assim, escaparia da excessiva importância que a editora Hamdan lhe atribui.


Teatro Brasileiro V.5
 
Organizador: Soraya Hamdam
Editora: Hamdam Editora
Quanto: R$ 29 (230 págs.)



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