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ARTES CÊNICAS
Diretora modifica palco e platéia do Dulcina, no Rio de Janeiro, para encenar a tragédia de Eurípides
Bia Lessa desconstrói teatro para "Medéia"
VALMIR SANTOS
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
Com seu 1,49 m, a encenadora
Bia Lessa surge empunhando um
carrinho de mão, brinca ao carregar um dos técnicos e tem sua
imagem ainda mais diminuta
quando no centro do chão de terra batida, de onde foram retiradas
as filas originais das poltronas do
teatro Dulcina (sobrou até para o
palco, devidamente arrancado),
ora envolto em pó e fumaça para a
tragédia grega "Medéia". A idéia é
erguer a obra cênica como que em
ruínas. Metáforas.
A partir de hoje, a montagem do
clássico de Eurípides (480-406
a.C.), protagonizado por Renata
Sorrah, ocupa literalmente o teatro do centro do Rio. Ele foi inaugurado em 1935, como teatro Regina, e depois abrigou companhias como as de Procópio Ferreira (1898-1979) e Dulcina de Moraes (1911-1996).
O último a ocupá-lo foi o grupo
Os Fodidos Privilegiados (do musical "O Carioca", 2004). O teatro
estava fechado desde 2001. Deve
ser reformado pela prefeitura no
segundo semestre. Antes, é entregue à produção de "Medéia", que
interfere fisicamente como bem
entender.
Um deleite para Bia Lessa, 45,
diretora de forte marca visual e espacial em seus projetos. Não só na
área do teatro ("Viagem ao Centro da Terra", "Orlando"), à qual
retorna seis anos depois da montagem de "As Três Irmãs", de Anton Tchecov, mas também nas artes plásticas e no cinema.
"Eu não gosto do mero cenário,
da decoração, da mesa, da cadeira. Gosto que as pessoas [atores,
espectadores] se inventem e sejam cúmplices a partir do que o
espaço está propondo. Aqui no
Dulcina trabalhamos com o cru
do cru", diz Lessa.
O cenógrafo Gringo Cardia e o
iluminador Maneco Quinderé são
alguns dos parceiros que a ajudam a conceber cenas em espaços
planos e aéreos, como os balcões
da coxia e da platéia.
"É fundamental que o público
entre no teatro e depare com nada
escondido, veja o teatro como ele
é. A fumaça [gelo seco], a neblina
constante, vem para reforçar a
questão da magia do próprio teatro e termina sendo, ela mesma, a
cenografia", diz Lessa. Cerca de
300 espectadores ocupam vários
pontos da sala.
A encenação procura traduzir a
natureza transformadora de Medéia incorporando os elementos
terra, água, ar e fogo. Há uma cortina de chuva, por exemplo.
Imortalizado pelo poema trágico de Eurípides, o mito de Medéia
trata da feiticeira que arquiteta
meticulosamente a vingança do
marido, Jasão (José Mayer). Este a
trai em busca de mais poder, mesmo tendo Medéia, rainha da Cólquida, o ajudado a ascender como
herói, inclusive, cometendo outras mortes. Medéia vai assassinar
os próprios filhos, depois de envenenar o rei Creonte e a filha dele,
com a qual Jasão se casa.
"Transgressora, bárbara, bruxa,
fêmea, enfim, essa personagem
seria quase uma terrorista em
nossos dias, dada a luta do mundo civilizado contra o mundo bárbaro. Só não me pergunte quem
são, hoje, os bárbaros e os civilizados", diz a também co-produtora
Renata Sorrah, 55.
José Mayer não vê Jasão como
anti-herói, tampouco vilão. "Seu
discurso não está muito distante
do homem contemporâneo. Trata-se de um ser pouco voltado para os valores éticos, capaz de romper pragmaticamente compromissos sagrados, chocando a moral da época", diz Mayer, 55.
Cabe à atriz Christiana Guinle
interpretar o Coro sozinha. Já os
veteranos Ivone Hoffmann
(Ama) e Emiliano Queiroz (Mensageiro) evocam tempos de teatro
investigativo ao compartilhar a
aventura de Bia Lessa. "O local cênico é apropriado, sugere a miséria da alma humana, a incapacidade de lutar contra desígnios do
destino", diz Hoffmann, 60.
O repórter Valmir Santos viajou a convite da produção do espetáculo "Medéia"
MEDÉIA. De: Eurípides. Tradução: Millôr
Fernandes. Direção: Bia Lessa. Com:
Cláudio Marzo, Dalton Vigh e outros.
Onde: teatro Dulcina (r. Alcindo
Guanabara, 19, Cinelândia, Rio, tel. 0/
xx/21/2240-4879. Quando: estréia hoje,
para convidados; a temporada começa
amanhã; sex. e sáb., às 21h; dom., às 20h.
Quanto: R$ 5. Até 13/6. Patrocinadores:
Eletrobrás e Embratel.
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