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Antropólogo propõe "descolonização cultural"
CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO
O antropólogo argentino Walter Mignolo será um dos destaques de hoje no seminário da
Candido Mendes. Professor de literatura e antropologia cultural
da Universidade de Duke, nos
EUA -onde também lecionam
Fredric Jameson e o chileno Ariel
Dorfman-, Mignolo falará sobre
"A Revolução Teórica Zapatista:
Suas Consequências Históricas,
Éticas e Políticas".
Autor de livros que analisam a
"criação cultural" do mundo moderno pelos europeus, a partir do
século 16, ele deu à Folha a seguinte entrevista, por e-mail. Numa última mensagem, pediu que
se registrasse seu reconhecimento
ao "trabalho pioneiro" de Darcy
Ribeiro e Milton Santos.
Folha - Em seu livro "O Lado Oculto da Renascença", o sr. enfoca o
"choque cultural" entre ameríndios e colonizadores, no qual estes
usaram seus códigos linguísticos
como meio de dominação. Que formas dessa dominação persistem
hoje?
Walter Mignolo - Não temos hoje
um país "colonizador" que se
apossa de territórios e constrói
instituições educacionais como
igrejas e colégios. Mas ainda vivemos no "mesmo" mundo moderno/colonial que começou a se formar com o circuito comercial
atlântico no século 16 e se tornou
hegemônico a partir do fim do século 18. O "choque cultural" é o
início de uma história que ainda
está aberta. Estamos vendo na
América Latina e em todo o mundo que conhecimentos que foram
"subalternizados" nunca morreram e agora vêm à tona. A revolta
zapatista é talvez o mais visível
exemplo disso.
Folha - O paradoxo da revolta zapatista no México é que ela conseguiu impacto internacional sem
concretamente ir além das fronteiras de Chiapas. Como o sr. explica
isso?
Mignolo - Não tenho certeza de
que o zapatismo não está "indo
além das fronteiras de Chiapas".
Acredito que sua presença no México é sentida constantemente,
mesmo minimizada pela imprensa e até por intelectuais de esquerda. Não vejo o subcomandante
Marcos como um "impostor genial", como já foi qualificado, mas
como "tradutor" ou "mediador"
dos intelectuais indígenas.
Folha - Em outros países, como
Bolívia e Equador, os indígenas
também estiveram na liderança de
revoltas recentes. A que o sr. atribui isso?
Mignolo - Há muitos fatores,
mas cito o declínio dos Estados
nacionais e os laços internacionais criados pelo transporte e a
tecnologia, principalmente a Internet. Emergiu uma consciência
crítica transnacional entre as comunidades indígenas, que haviam sido severamente restringidas durante os 150 anos de formação das nações latino-americanas.
Uma comunidade internacional
está emergindo da sombra da diferença colonial -que classificou
o mundo segundo a raça e o território e ligou as etnias à distribuição do trabalho.
Folha - Como o sr. se situa no debate entre multiculturalistas e integracionistas nos EUA?
Mignolo - Em primeiro lugar, tenho que me posicionar no grupo
dos hispânicos/latinos/chicanos,
isto é, dentro de um setor do pentágono étnico-racial -branco,
hispânico, nativo, afro-americano
e asiático- que aparece em todo
formulário de imigração e outros
documentos nos EUA. Como um
dos setores é hegemônico, o multiculturalismo está impregnado
do pensamento colonial e a integração é de quatro setores a um
deles. Esse pentágono norte-americano tem de ser entendido no
horizonte colonial da modernidade. Foi Kant quem formalizou no
século 18 um quadrilátero étnico-racial em escala mundial: amarelos na Ásia, brancos na Europa,
negros na África e vermelhos (ele
pensava nos indígenas norte-americanos) nas Américas.
Folha - Quando surgiu a categoria "hispânicos"?
Mignolo - Com a expansão das
fronteiras para o sul, em 1848, que
deixou muitos mexicanos dentro
do território norte-americano
sem que eles quisessem deixar o
México. Em 1959, vieram os cubanos e depois os dominicanos. Finalmente, os haitianos, que não
são hispânicos, mas "latinos".
Folha - Se o sr. critica tanto multiculturalistas quando integracionistas, qual a alternativa?
Mignolo - Minha posição nos
EUA é a de "assimilação crítica" e,
numa perspectiva global, de "cosmopolitanismo crítico". Defendo
a transformação das formas hegemônicas de viver e de ser, para superar a questão da cor da pele e
começar a mudar a maneira como a história moderna foi contada. É imperativo ir além da classificação étnico-racial de Kant e da
história universal fixada a isso,
num grande trabalho de descolonização intelectual que já está em
marcha em todo o mundo.
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