São Paulo, segunda-feira, 22 de maio de 2000


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Antropólogo propõe "descolonização cultural"

CLAUDIA ANTUNES
DA SUCURSAL DO RIO

O antropólogo argentino Walter Mignolo será um dos destaques de hoje no seminário da Candido Mendes. Professor de literatura e antropologia cultural da Universidade de Duke, nos EUA -onde também lecionam Fredric Jameson e o chileno Ariel Dorfman-, Mignolo falará sobre "A Revolução Teórica Zapatista: Suas Consequências Históricas, Éticas e Políticas".
Autor de livros que analisam a "criação cultural" do mundo moderno pelos europeus, a partir do século 16, ele deu à Folha a seguinte entrevista, por e-mail. Numa última mensagem, pediu que se registrasse seu reconhecimento ao "trabalho pioneiro" de Darcy Ribeiro e Milton Santos.

Folha - Em seu livro "O Lado Oculto da Renascença", o sr. enfoca o "choque cultural" entre ameríndios e colonizadores, no qual estes usaram seus códigos linguísticos como meio de dominação. Que formas dessa dominação persistem hoje?
Walter Mignolo -
Não temos hoje um país "colonizador" que se apossa de territórios e constrói instituições educacionais como igrejas e colégios. Mas ainda vivemos no "mesmo" mundo moderno/colonial que começou a se formar com o circuito comercial atlântico no século 16 e se tornou hegemônico a partir do fim do século 18. O "choque cultural" é o início de uma história que ainda está aberta. Estamos vendo na América Latina e em todo o mundo que conhecimentos que foram "subalternizados" nunca morreram e agora vêm à tona. A revolta zapatista é talvez o mais visível exemplo disso.

Folha - O paradoxo da revolta zapatista no México é que ela conseguiu impacto internacional sem concretamente ir além das fronteiras de Chiapas. Como o sr. explica isso?
Mignolo -
Não tenho certeza de que o zapatismo não está "indo além das fronteiras de Chiapas". Acredito que sua presença no México é sentida constantemente, mesmo minimizada pela imprensa e até por intelectuais de esquerda. Não vejo o subcomandante Marcos como um "impostor genial", como já foi qualificado, mas como "tradutor" ou "mediador" dos intelectuais indígenas.

Folha - Em outros países, como Bolívia e Equador, os indígenas também estiveram na liderança de revoltas recentes. A que o sr. atribui isso?
Mignolo -
Há muitos fatores, mas cito o declínio dos Estados nacionais e os laços internacionais criados pelo transporte e a tecnologia, principalmente a Internet. Emergiu uma consciência crítica transnacional entre as comunidades indígenas, que haviam sido severamente restringidas durante os 150 anos de formação das nações latino-americanas. Uma comunidade internacional está emergindo da sombra da diferença colonial -que classificou o mundo segundo a raça e o território e ligou as etnias à distribuição do trabalho.

Folha - Como o sr. se situa no debate entre multiculturalistas e integracionistas nos EUA?
Mignolo -
Em primeiro lugar, tenho que me posicionar no grupo dos hispânicos/latinos/chicanos, isto é, dentro de um setor do pentágono étnico-racial -branco, hispânico, nativo, afro-americano e asiático- que aparece em todo formulário de imigração e outros documentos nos EUA. Como um dos setores é hegemônico, o multiculturalismo está impregnado do pensamento colonial e a integração é de quatro setores a um deles. Esse pentágono norte-americano tem de ser entendido no horizonte colonial da modernidade. Foi Kant quem formalizou no século 18 um quadrilátero étnico-racial em escala mundial: amarelos na Ásia, brancos na Europa, negros na África e vermelhos (ele pensava nos indígenas norte-americanos) nas Américas.

Folha - Quando surgiu a categoria "hispânicos"?
Mignolo -
Com a expansão das fronteiras para o sul, em 1848, que deixou muitos mexicanos dentro do território norte-americano sem que eles quisessem deixar o México. Em 1959, vieram os cubanos e depois os dominicanos. Finalmente, os haitianos, que não são hispânicos, mas "latinos".

Folha - Se o sr. critica tanto multiculturalistas quando integracionistas, qual a alternativa?
Mignolo -
Minha posição nos EUA é a de "assimilação crítica" e, numa perspectiva global, de "cosmopolitanismo crítico". Defendo a transformação das formas hegemônicas de viver e de ser, para superar a questão da cor da pele e começar a mudar a maneira como a história moderna foi contada. É imperativo ir além da classificação étnico-racial de Kant e da história universal fixada a isso, num grande trabalho de descolonização intelectual que já está em marcha em todo o mundo.


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