São Paulo, quarta-feira, 22 de maio de 2002

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ANÁLISE

Formato sofre com esgotamento precoce

ESTHER HAMBURGER
CRÍTICA DA FOLHA

Terminaria ontem a performance do "Urban Dream Capsule", o grupo australiano que passou 15 dias em exibição em uma vitrine da avenida Paulista, em São Paulo, como um museu vivo, uma tela animada.
Em semana marcada pelo encerramento da segunda edição de "Casa dos Artistas" e pelo início da segunda versão do "Big Brother Brasil", a realização do grupo de atores australianos reforça a sensação de que o "reality show" está por toda a parte.
A preocupação com a intervenção na vida cotidiana anima trabalhos em diversas áreas de manifestação artística, abarcando um espectro amplo que perpassa a "alta" e a "baixa" cultura. O artecidadezonaleste, a Bienal e exibições australianas são exemplos recentes no campo das artes plásticas com contribuições que fazem eco aos "reality shows", cuja carreira na TV brasileira, em ampla ascensão, parece ameaçada por um esgotamento precoce.
"Casa dos Artistas 2" terminou com pouco alarde no domingo, prometendo voltar juntando os dois lados da tela: fãs e artistas. "BBB" voltou com efeito sonífero acentuado, namoricos, futricas irrelevantes entre e sobre pessoas que pouco interessam.
A novela, gênero "proto-interativo", herdeiro do folhetim do século 19 e precursor do "reality", também concorre nessa faixa. Benito de Paula cantando na Bar da Jura ou o discurso de salvação de ex-drogados são exemplos de "janelas abertas para o mundo".
O experimento australiano atraiu curiosos que se aglomeraram para se comunicar com aqueles seres carecas de língua inglesa que procuravam macaquear alguma graça do lado de lá da tela.
A movimentação estimulava o lado de cá, onde pessoas tentavam chamar a atenção dos estrangeiros com expressões corporais, coreografias baratas, qualquer gesto que pudesse causar distinção. O efeito gerado pela performance pouco se diferencia do banal estimulado pelo "reality show".
A disseminação de formatos que incorporam interlocuções diversas ao trabalho artístico gera ao mesmo tempo uma sensação de mesmice e o desafio de pensar critérios que permitam traçar distinções significativas. Videoinstalações, fotomontagens, performances e "reality shows", que só existem na medida em que inscrevem uma interlocução no próprio corpo do trabalho, apresentam graus diferentes de relevância.
Versões do desafio de reconhecer a relatividade e a efetividade da representação, "reality shows" poderiam emplacar se reconhecessem no interlocutor um ser inteligente, capaz de ir além da lição de moral da novela ou do exibicionismo dos jogos eliminatórios.



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