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Brasileiros desafiam mercado e encaram "Star Wars"
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Dois filmes brasileiros desafiam
a lógica do mercado cinematográfico desde sexta passada.
"Bendito Fruto", de Sergio Goldenberg, e "Quanto Vale ou É por
Quilo", de Sergio Bianchi, estrearam no primeiro fim de semana
em cartaz de "Star Wars - Episódio 3", uma dessas superproduções para as quais a indústria talhou a expressão "arrasa-quarteirões" -esmagam a concorrência.
O fato de dois filmes nacionais
estrearem no mesmo dia, ainda
que não encarassem de frente a
disputa pelo público com "Star
Wars", já é, em si, uma pequena
subversão à cartilha não-escrita
do mercado de cinema no Brasil.
Como o filme nacional se habituou a ficar reduzido a uma espécie de gueto de espectadores, a
norma básica é evitar o excesso de
oferta para um público reduzido.
Por que "Bendito Fruto" e
"Quanto Vale ou É por Quilo?" fugiram à regra? "A data de estréia
foi uma escolha do distribuidor
[Riofilme, em parceira com Paris
Filmes]", afirma o diretor do primeiro título, lançado apenas no
Rio e em São Paulo.
Airton Correa, gerente de distribuição da Riofilme, diz que a estratégia traçada para a estréia foi a
de fazê-la coincidir com a abertura das salas Arteplex em Botafogo,
bairro carioca que é tema e cenário de "Bendito Fruto".
O fato de "Star Wars" estrear no
mesmo fim de semana "pode tirar
um pouco do público" de Goldenberg, na avaliação de Correa.
O gerente diz que teve dificuldade
para encaixar o longa no circuito.
"Alguns multiplex estão destinando até três salas para "Star
Wars'", diz. O longa de George
Lucas ocupa mais de 400 dos cerca de 1.900 cinemas brasileiros.
"Realmente vai ser uma briga
dura. Estou muito ansioso. Mas
quem sabe a gente ainda vai ter a
oportunidade de ampliar o circuito", diz Goldenberg.
A aposta do cineasta é que o filme alcance bom público neste fim
de semana de estréia e, com isso,
consiga lugar em salas de alta freqüência nas próximas semanas.
Correa endossa a previsão: "A
tendência é ampliar o circuito".
Se isso ocorrer, será mais uma
inversão da ordem habitual do
mercado. Após a estréia, um filme
em geral perde público e salas. Na
melhor das hipóteses, mantém
seu circuito. Ampliá-lo é exceção
própria de sucessos imprevistos.
Por uma regra da exibição, para
que um filme siga em cartaz de
uma semana para outra numa determinada sala, ele precisa atingir,
durante a semana, a média de público do local. Essa média é fornecida pelo exibidor.
Para Bianchi, a "teoria da fila"
embaralha esta equação e faz com
que a Riofilme, que distribui também "Quando Vale ou É por Quilo?", não tenha interesse de que os
filmes que distribui permaneçam
durante muito tempo em cartaz.
"Eles têm uma quantidade
enorme de filmes para lançar e
um espaço mínimo, que é o das
salas Unibanco e, eventualmente,
o HSBC Belas Artes", diz Bianchi,
relacionando o reduto dos filmes
brasileiros em São Paulo.
A "teoria da fila" estabelece que,
se um filme fica muitas semanas
em cartaz, atrasa a estréia dos que
aguardam sua vez.
Correa afirma ter em sua carteira de lançamentos dez filmes brasileiros programados para o segundo semestre. Entre eles estão
"Harmada", de Maurice Capovilla, "O Diabo a Quatro", de Alice
de Andrade, e "Filhas do Vento",
de Joel Zito Araújo, todos concluídos há bastante tempo.
"Harmada" concorreu no Festival de Brasília de 2003. "Filhas do
Vento" e "O Diabo a Quatro"
competiram, respectivamente,
em Gramado (agosto) e no Festival do Rio (setembro) de 2004.
Correa diz, porém, que "não é
verdadeira" a tese de Bianchi sobre a fila. "Se o filme for bom,
continua em cartaz. O filme dele
[Bianchi], por exemplo, tem a característica da manutenção. Deve
ficar quatro, cinco, sete, oito semanas em cartaz", afirma.
"Cronicamente Inviável"
(1998), longa anterior de Bianchi,
manteve-se nos cinemas durante
oito meses, com duas cópias. Se
considerada a média de público
por cópia, o filme foi um sucesso.
No entanto este retrospecto não
convenceu nenhuma outra distribuidora além da Riofilme a investir no lançamento de "Quanto Vale ou É por Quilo?".
Bianchi diz que procurou "todas" e ouviu reiteradamente a
avaliação de que seu filme não é
viável mercadologicamente.
"Não é que eu considere meu
filme popularíssimo, mas acho
que ele poderia ter mais espaço",
diz o cineasta. O argumento dos
distribuidores que recusaram
"Quanto Vale ou É por Quilo?" é
interpretado por Bianchi como
decorrência da equivocada idéia
de que "o povo não gosta de filme
inteligente, ainda que o povo diga
o contrário".
"Quanto Vale ou É por Quilo?"
estreou apenas em São Paulo na
última sexta. Seu lançamento no
Rio está previsto para esta semana. Correa diz que atrasou a data
no circuito carioca para evitar a
concorrência com "Star Wars".
"Eu perderia mídia aqui", diz,
apontando outro gargalo de concentração na engrenagem da indústria que move o cinema.
A atitude da imprensa também
não fica isenta das críticas de
Bianchi e de suas especulações sobre o que há na base do iceberg.
"Será que o cinema americano
paga para ter essa mídia espetacular? No fim, todo mundo rende
homenagem ao império", diz.
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