São Paulo, domingo, 22 de maio de 2005

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CINEMA

Estudo aponta diminuição no número de espectadores em relação a 2004; executivos culpam ausência de "filme-evento"

Queda na bilheteria abre crise no mercado

MARCELO BARTOLOMEI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DO RIO

Quando foi a última vez que você foi ao cinema? Saiba que os exibidores brasileiros estão sentindo sua falta. Somente em abril, houve uma queda de 32% na bilheteria em relação ao mesmo mês do ano passado, oscilação negativa que vem tirando o sono do setor. Como resultado, a abertura de novas salas deve ficar comprometida para os próximos anos.
Abril foi atípico: em 2004, foram vendidos 10,2 milhões de ingressos, contra 6,95 milhões neste ano. É o pior resultado do mesmo mês desde 2003 -quando foram vendidos cerca de 7,7 milhões de ingressos.
Levantamento divulgado na semana passada pela Filme B, empresa que estuda estatísticas do cinema, mostra que a bilheteria dos primeiros quatro meses de 2005 -29.695.316 espectadores- foi menor que a de 2004, quando foram vendidos 37,6 milhões de ingressos, uma queda de 21%.
A ausência de um "filme-evento", aquele com planejamento massivo de marketing e mídia, é apontada como culpada pela redução. Os exibidores tentam justificar a retração do mercado apoiados na falta de grandes produções, tanto internacionais quanto nacionais. "É sazonal, temos de esperar a chegada de grandes filmes ainda neste ano", diz Adhemar de Oliveira, 49, do Unibanco Arteplex. "Juntam também elementos econômicos. No mesmo período, tivemos índices que levam a uma possibilidade de crise, como um grande número de cheques devolvidos."

Investimentos
Exceção no mercado, o empresário acaba de inaugurar seis novas salas no Rio de Janeiro. "O Brasil tem um número de salas que não satisfaz a demanda de um mercado mínimo. No Rio, nós devemos trabalhar mais com o circuito independente do que com o comercial", afirma.
O diferencial na prestação de serviços, por sua vez, é uma das estratégias do grupo Estação -cuja penetração maior está no Rio, com salas também em São Paulo e Belo Horizonte- para atrair espectadores. De acordo com Marcelo Mendes, 40, diretor de programação do grupo, a opção por não exibir os chamados "blockbusters" é uma das maneiras de ganhar fidelidade do público. "Não tivemos uma queda tão grande quanto outros exibidores. Nosso público é menos volátil."
O grupo Estação, segundo Mendes, pretende inaugurar em 2006 nove salas no Rio. "Não vejo motivo macroeconômico para a queda. Muitas atividades estão crescendo em relação ao ano anterior. É preciso ter paciência porque nossa atividade é suscetível ao que está acontecendo. Espero uma recuperação nos últimos quatro meses do ano", diz Carlos Marin, 40, diretor executivo da rede UCI.
Segundo ele, a bilheteria de 2003 obteve êxito mesmo quando havia incerteza sobre o futuro financeiro do país. A UCI não previu novos investimentos para este ano, apenas reformas nas salas e modernização dos sistemas de exibição e compra de ingressos.
"O ano está sendo muito mais difícil do que pensávamos. A situação ficou muito complicada e deve afetar o planejamento para os próximos anos, mas ainda é cedo para falar sobre isso", diz Valmir Fernandes, 44, presidente da rede Cinemark. A empresa começa a economizar energia elétrica e evita contratar novos funcionários, mas garante que não pretende demitir. Apesar da crise, inaugurará até o final do ano novas salas em São Paulo, não descartando a hipótese de reversão dos planos caso a crise prossiga.
Para Fernandes, é impossível abaixar o preço dos ingressos ou tentar driblar a crise. "Se o produto não tem apelo, não conseguimos fazer nada. Se reduzirmos o preço, não pagamos as contas."
A projeção negativa foi responsável pelo adiamento de alguns planos na rede Severiano Ribeiro, que pretendia expandir sua rede pelo país. "Até o final do ano vamos sofrer. Vamos cortar custos e despesas. Abriremos um único empreendimento neste ano, em Osasco (SP). O restante foi cancelado ou adiado", diz o empresário Luís Severiano Ribeiro, 54.
"Não me lembro de uma crise assim nos últimos cinco anos. Temos que levar em consideração que a queda é maior que a apresentada, pois abriram cerca de 150 novas salas no país do ano passado para cá", analisa.
Recentemente, o mercado não somente ganhou novas salas mas também optou pela modernização de espaços já existentes, na tentativa de oferecer mais conforto ao público. Segundo o MinC (Ministério da Cultura), eram 1.997 salas em 2004.

Esperança
Como não têm grandes títulos previstos para estrear neste ano, os exibidores apostam no surgimento de algum azarão, como foi "A Paixão de Cristo" (2004) -6,8 milhões de espectadores.
A única expectativa está sobre o novo episódio de "Star Wars". O filme, que entrou em exibição em 521 salas do país, é um dos maiores investimentos do ano. Como nos EUA, tem mídia e marketing expressivos que devem monopolizar as atenções do público.
Rodrigo Saturnino, 51, diretor da Columbia Pictures, explica que a queda na receita do cinema é uma tendência mundial. O executivo projetou um crescimento de cerca de 5% para o ano, mas viu a tendência cair. "Acho que é falta de filme. Não há nenhum problema estrutural com a mídia cinema. O público tende a ficar um pouco mais seletivo, mas não quando era no período em que tínhamos uma inflação muito alta. Não acho que a ascensão do DVD nem uma suposta crise econômica sejam culpadas pela situação."
Em 2003, os exibidores obtiveram êxito graças a uma produção nacional: "Carandiru" levou 4,6 milhões aos cinemas. No ano passado, "Olga" e "Cazuza - O Tempo Não Pára" também garantiram boa renda, com média de 6 milhões de espectadores, juntos. Diante disso, a cinematografia nacional também reclama.
Filmes como "O Casamento de Romeu e Julieta" e "Mais uma Vez Amor", grandes apostas de 2005, não produziram números esperados. O primeiro, tido como exemplo da crise, deve chegar à marca de 1 milhão de espectadores até o final do mês. "Nenhum filme brasileiro fez o que se esperava", defende Saturnino.
É por isso que cineastas brasileiros também se mostram insatisfeitos com os resultados da bilheteria. O cinema nacional retraiu 29% nas 17 semanas de 2005. O MinC aumentou o número de editais de captação de dinheiro para a realização de projetos nacionais e também verbas distribuídas em prêmios.
Segundo Manoel Rangel, 33, assessor especial do MinC e secretário-substituto do Audiovisual, o momento da safra nacional se equipara ao mercado internacional. "Eles não conseguiram puxar a bilheteria das salas, mas tiveram bons desempenhos e nosso mercado cresceu. A lógica dos incentivos fiscais aponta para uma certa pulverização, mas a média de captação está além ou igual a de outros anos. Chegará um momento em que precisaremos mudar o modelo de captação no país. É preciso aproximar mais o processo de produção com o de distribuição", afirma.


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