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"Sou contra a lei do jeito que está", diz DJ que não paga direito autoral
DA REPORTAGEM LOCAL
DA COLUNISTA DA FOLHA
Com a facilidade de acesso aos
computadores, à internet e a produtos de contrabando vendidos
nas grandes cidades do Brasil, o
crime invadiu a vida cotidiana e
transformou pessoas comuns em
delinqüentes perante a lei.
A antropóloga Maria de Fátima
(os nomes nesta reportagem são
fictícios), 65, por exemplo, diz que
parou de comprar CDs. "Agora
eu compro CD virgem e gravo o
que quero para mim e para minhas amigas. Vivo dando CD de
presente." Mas ela não se sente
confortável. "Não me sinto bem.
Quando a lei está a seu favor, você
se sente muito melhor. O problema é que a sociedade me facilita a
cometer um delito. Isso não é o
ideal. Eu me sinto culpada, sim."
Mais freqüente ainda que o
download de músicas, a compra
de material pirata ou falsificado
também já atrai muitos consumidores de classe média e alta e, segundo um levantamento do Ministério da Justiça divulgado em
abril, representa perda anual de
R$ 84 bilhões em arrecadação.
Mas o engenheiro Fabrício, 28,
não se considera culpado. "Todos
os meus programas de computador são pirateados. Não sou um
criminoso, pago meus impostos
todos. Claro que, se compro uma
coisa de contrabando, estou sonegando imposto do país, e isso não
é legal. Mas não faria isso se sentisse um retorno real do imposto
que é pago pela sociedade."
O mesmo acontece com muitos
DJs e músicos, para quem infringir a lei dos direitos autorais e sonegar impostos têm virado uma
espécie de guerrilha. Marcelo, 28,
produtor de eventos e DJ, só compra discos e aparelhos eletrônicos
de contrabando. "Baixo umas
cem músicas por semana e uns 25
filmes. Tenho um contrabandista
de confiança que me dá até um
ano de garantia para as coisas que
eu compro, mas, sinceramente,
não me acho um fora-da-lei."
Apesar de colecionar CDs, ele
não compra nenhum disco desde
2000. "O imposto para discos importados e eletrônicos é extremamente caro. Essa é a minha maneira de ter [acesso a] cultura."
Todos os convites das festas que
Marcelo faz têm imagens roubadas da internet. "Gosto muito dos
sites de designers japoneses."
E não é só a pirataria "high-tech" que preocupa. No início do
ano, a Associação Brasileira de
Direitos Reprográficos enviou a
polícia a algumas das principais
universidades de São Paulo, entre
elas USP, PUC e Metodista, e confiscou as pastas de xerox que contêm textos indicados pelos professores para leitura dos alunos.
A finalidade acadêmica das cópias, o alto custo dos livros alegado pelos alunos e a brecha legal
que permite que se copiem trechos de obras literárias "para uso
privado do copista" não impediram que a ABDR colocasse tudo
sob a mesma etiqueta: pirataria.
Em nome do "crime cultural",
no entanto, cada um parece criar
sua ética própria. Guitarrista de
uma banda independente, Felipe,
22, também faz os cartazes de seus
shows com imagens pelas quais
não paga direitos e copia programas e games piratas. Mas se diz
contrário a copiar CDs de bandas
brasileiras. "Acho que as pessoas
devem comprar disco brasileiro
para fortalecer os grupos."
Gustavo, 38, um badalado produtor e músico brasileiro com
carreira de sucesso internacional
discorda. "Todas as minhas músicas são feitas com samples pelos
quais eu não pago direitos autorais. E, se quiserem samplear coisas minhas, acho ótimo. Fico honrado ao saber que uma pessoa disponibiliza espaço do seu hardware para guardar uma música minha." Além de apoiar crimes cometidos contra si mesmo, Gustavo tem um "vendedor particular
de DVDs piratas". "É como a pessoa que compra uma bolsa Louis
Vuitton falsificada. Acho revolucionário." Gustavo se considera
criminoso? "Claro que não. Sou
uma pessoa extremamente séria e
ética. Só sou contra a lei do jeito
que ela está", conclui.
(DA e NL)
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