São Paulo, domingo, 22 de maio de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Sou contra a lei do jeito que está", diz DJ que não paga direito autoral

DA REPORTAGEM LOCAL
DA COLUNISTA DA FOLHA

Com a facilidade de acesso aos computadores, à internet e a produtos de contrabando vendidos nas grandes cidades do Brasil, o crime invadiu a vida cotidiana e transformou pessoas comuns em delinqüentes perante a lei.
A antropóloga Maria de Fátima (os nomes nesta reportagem são fictícios), 65, por exemplo, diz que parou de comprar CDs. "Agora eu compro CD virgem e gravo o que quero para mim e para minhas amigas. Vivo dando CD de presente." Mas ela não se sente confortável. "Não me sinto bem. Quando a lei está a seu favor, você se sente muito melhor. O problema é que a sociedade me facilita a cometer um delito. Isso não é o ideal. Eu me sinto culpada, sim."
Mais freqüente ainda que o download de músicas, a compra de material pirata ou falsificado também já atrai muitos consumidores de classe média e alta e, segundo um levantamento do Ministério da Justiça divulgado em abril, representa perda anual de R$ 84 bilhões em arrecadação.
Mas o engenheiro Fabrício, 28, não se considera culpado. "Todos os meus programas de computador são pirateados. Não sou um criminoso, pago meus impostos todos. Claro que, se compro uma coisa de contrabando, estou sonegando imposto do país, e isso não é legal. Mas não faria isso se sentisse um retorno real do imposto que é pago pela sociedade."
O mesmo acontece com muitos DJs e músicos, para quem infringir a lei dos direitos autorais e sonegar impostos têm virado uma espécie de guerrilha. Marcelo, 28, produtor de eventos e DJ, só compra discos e aparelhos eletrônicos de contrabando. "Baixo umas cem músicas por semana e uns 25 filmes. Tenho um contrabandista de confiança que me dá até um ano de garantia para as coisas que eu compro, mas, sinceramente, não me acho um fora-da-lei."
Apesar de colecionar CDs, ele não compra nenhum disco desde 2000. "O imposto para discos importados e eletrônicos é extremamente caro. Essa é a minha maneira de ter [acesso a] cultura."
Todos os convites das festas que Marcelo faz têm imagens roubadas da internet. "Gosto muito dos sites de designers japoneses."
E não é só a pirataria "high-tech" que preocupa. No início do ano, a Associação Brasileira de Direitos Reprográficos enviou a polícia a algumas das principais universidades de São Paulo, entre elas USP, PUC e Metodista, e confiscou as pastas de xerox que contêm textos indicados pelos professores para leitura dos alunos.
A finalidade acadêmica das cópias, o alto custo dos livros alegado pelos alunos e a brecha legal que permite que se copiem trechos de obras literárias "para uso privado do copista" não impediram que a ABDR colocasse tudo sob a mesma etiqueta: pirataria.
Em nome do "crime cultural", no entanto, cada um parece criar sua ética própria. Guitarrista de uma banda independente, Felipe, 22, também faz os cartazes de seus shows com imagens pelas quais não paga direitos e copia programas e games piratas. Mas se diz contrário a copiar CDs de bandas brasileiras. "Acho que as pessoas devem comprar disco brasileiro para fortalecer os grupos."
Gustavo, 38, um badalado produtor e músico brasileiro com carreira de sucesso internacional discorda. "Todas as minhas músicas são feitas com samples pelos quais eu não pago direitos autorais. E, se quiserem samplear coisas minhas, acho ótimo. Fico honrado ao saber que uma pessoa disponibiliza espaço do seu hardware para guardar uma música minha." Além de apoiar crimes cometidos contra si mesmo, Gustavo tem um "vendedor particular de DVDs piratas". "É como a pessoa que compra uma bolsa Louis Vuitton falsificada. Acho revolucionário." Gustavo se considera criminoso? "Claro que não. Sou uma pessoa extremamente séria e ética. Só sou contra a lei do jeito que ela está", conclui. (DA e NL)


Texto Anterior: Cultura pirata: O dia em que o Fulano virou criminoso
Próximo Texto: Música eletrônica: Parada GLSTB atrai DJs internacionais a SP
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.