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CRÍTICA
TV inventa conversa fiada no fim da noite
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Até que faz sentido: já passou o jornal, já passou a novela, já passou o filme, agora é
hora de jogar conversa fora. Na
falta da vizinhança e do interesse
no cônjuge, tem a televisão aí para não deixar ninguém sozinho.
Aliás, a expressão "jogar conversa fora" não poderia vir mais
a calhar para descrever "Fora do
Ar", programa do SBT que reúne
as apresentadoras Hebe Camargo (!) e Adriane Galisteu (!!), o
jornalista Jorge Kajuru (!!!) e o diretor de teatro Cacá Rosset (!!!!)
para comentar temas variados.
As exclamações progressivas
vão por conta da esquisitice combinatória entre tais personagens.
Eles até que partilham algumas
coisas, além do patrão Silvio Santos: uma enorme vontade de aparecer e uma confiança inacreditável no valor de sua própria
franqueza. Mas, juntos, emitindo
opiniões sobre tudo e sobre todos, eles se movem no mínimo
denominador comum das idéias
feitas, dos clichês da obviedade.
Nesse terreno plano, não há
diálogo, só alternância de posições: ora alguém consegue adicionar alguma ironia (normalmente, Rosset), ora alguém discorda com alguma veemência
(quase sempre, Kajuru), ora deixa aflorar idiossincrasias e preconceitos (Hebe, claro). A rodada de opiniões, entretanto, não se
descola da superfície e das asserções sobre as quais se têm uma
margem razoável de concordância, em geral: a corrupção é má, a
infidelidade conjugal é um problema difícil etc.
E assim, pula-se de um tema a
outro. Vez por outra, alguém se
dá ao luxo de algum arroubo
mais cênico -Galisteu desfila
sua roupa, Rosset levanta-se. Hebe atende ao telefone e, assim,
passa-se uma hora, sem que nada, de fato, aconteça. Ou melhor,
ficamos sabendo que Hebe e Galisteu têm nojo de vômito, que
Galisteu adora João Ubaldo Ribeiro (embora ao comentário de
Cacá Rosset sobre "Viva o Povo
Brasileiro" ser um dos melhores
romances da literatura tenha se
seguido um silêncio sepulcral),
que Kajuru nunca traiu a mulher
em dez anos de casado, que Cacá
Rosset acha que a monogamia é
um mito ocidental (e, desta vez, a
incompreensão foi manifestada
com todo mundo falando ao
mesmo tempo) e coisas do tipo.
Esse tipo de programa de conversa fiada, pelas óbvias vantagens econômicas (de produção
mínima, são muito baratos) e
por uma espécie de vale-tudo
que se instaurou na TV, vem
ocupando cada vez mais espaços.
O canal por assinatura GNT, por
exemplo, reestreou "Saia Justa",
com resultados, por enquanto,
bastante tímidos. Embora qualquer equipe que não tenha Fernanda Young seja melhor do que
uma em que ela esteja, a nova escalação do programa é bem menos expressiva do que a original.
Ao que parece, a partir do primeiro programa, a conversa se
arrisca a ficar polarizada entre o
senso comum assertivo de Luana
Piovani e a indignação "acadêmica" da filósofa Márcia Tiburi,
deixando a verve gauche da atriz
Betty Lago um pouco de lado, o
que seria uma pena.
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