São Paulo, domingo, 22 de maio de 2005

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CRÍTICA

TV inventa conversa fiada no fim da noite

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Até que faz sentido: já passou o jornal, já passou a novela, já passou o filme, agora é hora de jogar conversa fora. Na falta da vizinhança e do interesse no cônjuge, tem a televisão aí para não deixar ninguém sozinho.
Aliás, a expressão "jogar conversa fora" não poderia vir mais a calhar para descrever "Fora do Ar", programa do SBT que reúne as apresentadoras Hebe Camargo (!) e Adriane Galisteu (!!), o jornalista Jorge Kajuru (!!!) e o diretor de teatro Cacá Rosset (!!!!) para comentar temas variados.
As exclamações progressivas vão por conta da esquisitice combinatória entre tais personagens. Eles até que partilham algumas coisas, além do patrão Silvio Santos: uma enorme vontade de aparecer e uma confiança inacreditável no valor de sua própria franqueza. Mas, juntos, emitindo opiniões sobre tudo e sobre todos, eles se movem no mínimo denominador comum das idéias feitas, dos clichês da obviedade.
Nesse terreno plano, não há diálogo, só alternância de posições: ora alguém consegue adicionar alguma ironia (normalmente, Rosset), ora alguém discorda com alguma veemência (quase sempre, Kajuru), ora deixa aflorar idiossincrasias e preconceitos (Hebe, claro). A rodada de opiniões, entretanto, não se descola da superfície e das asserções sobre as quais se têm uma margem razoável de concordância, em geral: a corrupção é má, a infidelidade conjugal é um problema difícil etc.
E assim, pula-se de um tema a outro. Vez por outra, alguém se dá ao luxo de algum arroubo mais cênico -Galisteu desfila sua roupa, Rosset levanta-se. Hebe atende ao telefone e, assim, passa-se uma hora, sem que nada, de fato, aconteça. Ou melhor, ficamos sabendo que Hebe e Galisteu têm nojo de vômito, que Galisteu adora João Ubaldo Ribeiro (embora ao comentário de Cacá Rosset sobre "Viva o Povo Brasileiro" ser um dos melhores romances da literatura tenha se seguido um silêncio sepulcral), que Kajuru nunca traiu a mulher em dez anos de casado, que Cacá Rosset acha que a monogamia é um mito ocidental (e, desta vez, a incompreensão foi manifestada com todo mundo falando ao mesmo tempo) e coisas do tipo.
Esse tipo de programa de conversa fiada, pelas óbvias vantagens econômicas (de produção mínima, são muito baratos) e por uma espécie de vale-tudo que se instaurou na TV, vem ocupando cada vez mais espaços. O canal por assinatura GNT, por exemplo, reestreou "Saia Justa", com resultados, por enquanto, bastante tímidos. Embora qualquer equipe que não tenha Fernanda Young seja melhor do que uma em que ela esteja, a nova escalação do programa é bem menos expressiva do que a original.
Ao que parece, a partir do primeiro programa, a conversa se arrisca a ficar polarizada entre o senso comum assertivo de Luana Piovani e a indignação "acadêmica" da filósofa Márcia Tiburi, deixando a verve gauche da atriz Betty Lago um pouco de lado, o que seria uma pena.


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