São Paulo, domingo, 22 de maio de 2005

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ILUSTRADA

Belgas levam troféu principal do festival de cinema por "L'Enfant"; brasileiros só ganham prêmios paralelos

Irmãos Dardenne vencem Palma em Cannes

ALCINO LEITE NETO
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

O filme "L'Enfant" (a criança), de Jean-Pierre e Luc Dardenne, ganhou ontem a Palma de Ouro do Festival de Cannes. É a segunda vez que os irmãos belgas levam o principal prêmio, acontecimento raro no evento. Em 1999, ganharam com "Rosetta". Eles dedicaram a vitória à jornalista francesa Florence Aubenas e a seu guia Hussein Hanoun, que continuam como reféns no Iraque.
"Broken Flowers" (flores partidas), de Jim Jarmusch, recebeu o Grande Prêmio do Júri. O prêmio de direção foi para o austríaco Michael Haneke, por "Caché" (escondido). As principais decisões do júri, presidido por Emir Kusturica, não causaram surpresa. Os três são ótimos filmes e, nos últimos dias, estavam entre os cinco mais cotados.
Surpreendente foram os dois prêmios atribuídos a "The Three Burials of Melquiades Estrada" (os três enterros de Melquiades Estrada), primeiro dirigido pelo ator Tommy Lee Jones. O filme levou os troféus de atuação masculina, para Lee Jones, e o de roteiro, para o mexicano Guillermo Arriaga ("Amores Brutos").
A atriz israelense Hanna Laslo foi eleita a melhor intérprete feminina por "Free Zone" (zona livre), do diretor Amos Gitai. O prêmio do júri foi dado ao chinês "Shanghai Dreams" (sonhos de Xangai), de Wang Xiaoshuai.
O brasileiro "Cinema, Aspirinas e Urubus", de Marcelo Gomes, foi premiado com o Prêmio da Educação Nacional. "Cidade Baixa" já havia ganhado o Prêmio da Juventude. Saíram de mãos abanando diretores como Lars von Trier ("Manderlay"), Gus van Sant ("Last Days"), David Cronenberg ("O Anjo da Morte") e Hou Hsiao Hsien ("Three Times").
O júri era formado pela escritora americana Toni Morrison, os atores Javier Bardem (espanhol), Salma Hayek (mexicana) e Nandita Das (indiana), além dos diretores Fatih Akin (alemão), John Woo (chinês), Benoît Jacquot e Agnès Varda (franceses).
"Estranho júri", disse Jarmusch, no agradecimento. Numa festa cafona e de falas mal-escritas, seus agradecimentos se destacaram. Jarmusch homenageou os diretores com os quais concorria, dizendo-se honrado por estar entre eles, e mandou uma mensagem a Hsiao Hsien: "Sou seu aluno".
Conciso na linguagem, preciso na narração e muito comovente no conjunto, "L'Enfant" fala de casal de jovens miseráveis na Bélgica que tem um filho e não sabe o que fazer com ele. Até que o pai resolve vender o bebê, o que destrói o paraíso em que o casal vivia.
O filme de Jarmusch também é uma história de paternidade, mas em tom de comédia. Um homem aposentado (Bill Murray) recebe a carta de uma ex-namorada, que não se identifica, dizendo que ele tem um filho. Abismado no sem-sentido da sua vida atual, resolve procurar o rapaz. O filme transforma-se então num "road movie" rumo ao passado.
"Caché", de Haneke, foi um dos filmes que mais entusiasmaram em Cannes por sua capacidade de transformar pouco a pouco um estranho drama familiar numa reflexão política e social. É o filme de sua maturidade. A trama narra as agruras de um apresentador de TV que começa a receber fitas de vídeo que mostram flagrantes de sua vida cotidiana. Aos poucos, vai descobrir que a origem das fitas tem a ver com um acontecimento recalcado da sua infância. Para nós, espectadores, a descoberta leva a um recalque da história francesa: as conseqüências da colonização da Argélia.


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