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ILUSTRADA
Belgas levam troféu principal do festival de cinema por "L'Enfant"; brasileiros só ganham prêmios paralelos
Irmãos Dardenne vencem Palma em Cannes
ALCINO LEITE NETO
ENVIADO ESPECIAL A CANNES
O filme "L'Enfant" (a criança),
de Jean-Pierre e Luc Dardenne,
ganhou ontem a Palma de Ouro
do Festival de Cannes. É a segunda vez que os irmãos belgas levam
o principal prêmio, acontecimento raro no evento. Em 1999, ganharam com "Rosetta". Eles dedicaram a vitória à jornalista francesa Florence Aubenas e a seu guia
Hussein Hanoun, que continuam
como reféns no Iraque.
"Broken Flowers" (flores partidas), de Jim Jarmusch, recebeu o
Grande Prêmio do Júri. O prêmio
de direção foi para o austríaco Michael Haneke, por "Caché" (escondido). As principais decisões
do júri, presidido por Emir Kusturica, não causaram surpresa. Os
três são ótimos filmes e, nos últimos dias, estavam entre os cinco
mais cotados.
Surpreendente foram os dois
prêmios atribuídos a "The Three
Burials of Melquiades Estrada"
(os três enterros de Melquiades
Estrada), primeiro dirigido pelo
ator Tommy Lee Jones. O filme levou os troféus de atuação masculina, para Lee Jones, e o de roteiro,
para o mexicano Guillermo Arriaga ("Amores Brutos").
A atriz israelense Hanna Laslo
foi eleita a melhor intérprete feminina por "Free Zone" (zona livre),
do diretor Amos Gitai. O prêmio
do júri foi dado ao chinês "Shanghai Dreams" (sonhos de Xangai), de Wang Xiaoshuai.
O brasileiro "Cinema, Aspirinas
e Urubus", de Marcelo Gomes, foi
premiado com o Prêmio da Educação Nacional. "Cidade Baixa" já
havia ganhado o Prêmio da Juventude. Saíram de mãos abanando diretores como Lars von Trier
("Manderlay"), Gus van Sant
("Last Days"), David Cronenberg
("O Anjo da Morte") e Hou Hsiao
Hsien ("Three Times").
O júri era formado pela escritora americana Toni Morrison, os
atores Javier Bardem (espanhol),
Salma Hayek (mexicana) e Nandita Das (indiana), além dos diretores Fatih Akin (alemão), John
Woo (chinês), Benoît Jacquot e
Agnès Varda (franceses).
"Estranho júri", disse Jarmusch,
no agradecimento. Numa festa
cafona e de falas mal-escritas, seus
agradecimentos se destacaram.
Jarmusch homenageou os diretores com os quais concorria, dizendo-se honrado por estar entre
eles, e mandou uma mensagem a
Hsiao Hsien: "Sou seu aluno".
Conciso na linguagem, preciso
na narração e muito comovente
no conjunto, "L'Enfant" fala de
casal de jovens miseráveis na Bélgica que tem um filho e não sabe o
que fazer com ele. Até que o pai
resolve vender o bebê, o que destrói o paraíso em que o casal vivia.
O filme de Jarmusch também é
uma história de paternidade, mas
em tom de comédia. Um homem
aposentado (Bill Murray) recebe a
carta de uma ex-namorada, que
não se identifica, dizendo que ele
tem um filho. Abismado no sem-sentido da sua vida atual, resolve
procurar o rapaz. O filme transforma-se então num "road movie" rumo ao passado.
"Caché", de Haneke, foi um dos
filmes que mais entusiasmaram
em Cannes por sua capacidade de
transformar pouco a pouco um
estranho drama familiar numa
reflexão política e social. É o filme
de sua maturidade. A trama narra
as agruras de um apresentador de
TV que começa a receber fitas de
vídeo que mostram flagrantes de
sua vida cotidiana. Aos poucos,
vai descobrir que a origem das fitas tem a ver com um acontecimento recalcado da sua infância.
Para nós, espectadores, a descoberta leva a um recalque da história francesa: as conseqüências da
colonização da Argélia.
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