São Paulo, segunda-feira, 22 de maio de 2006

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análise

É antes um festival de atores do que de autores

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

Sob a batuta de Gilles Jacob, antes delegado-geral e hoje presidente do festival, Cannes há três décadas aposta num perfil de "festival de autores", como uma espécie de extensão para a curadoria da "política dos autores" celebrizada pela crítica francesa. O mesmo engajamento tem sido reafirmado pelo novo diretor artístico, Thierry Fremaux.
Se a seleção no papel parecia confirmar a linha, incluindo neste ano alguns dos preferidos de sempre como Almodóvar, Kaurismaki, Loach e Moretti, os filmes que têm desfilado pelas telas do Palais convidam a uma leitura distinta. Cannes 2006 é até aqui um festival mais forte em desempenhos do que em narrativas autorais. É antes um festival de atores e atrizes do que de autores.
Mesmo o inacreditável filme de abertura, "O Código da Vinci", serve à tese. Se Ron Howard é um artesão aqui em seu pior momento, as interpretações de Tom Hanks , sir Ian McKellen e Paul Bettamy injetam ao filme quase tudo que tem de vitalidade. Por sua vez, o filme de episódios "Paris Je T'Aime" é o mais generoso em exemplos. O projeto se define de saída como uma visão plural da capital francesa por autores contemporâneos internacionais (dos irmãos Coen a Walter Salles e Daniela Thomas). O resultado é uma sinfonia de interpretações memoráveis, muito além de possíveis leituras que vinculem cada curta à obra de seu diretor.
Os maiores exemplos são a mãe enlutada de Juliette Binoche, sempre ela; o velho casal à beira do divórcio formado por Gena Rowlands e Ben Gazarra; o solo hilário de Steve Buscemi no metrô Tuileries; e o trágico par agônico de Sergio Castelitto e Miranda Richardson.
A disputa pela Palma de Ouro é até aqui regular, sem maiores picos ou vales, destacando-se o Almodóvar algo memorialístico de "Volver" (o favorito) e a volta à forma de Ken Loach com "The Wind That Shakes The Barley". Mas quase todos os concorrentes têm um protagonista potencialmente premiável. A lista inclui de estrelas como Carmen Maura e Penélope Cruz, que se reencontram com Almodóvar em "Volver", à chinesa Lei Hao, que representa a "geração Tienamen" em "Summer Palace" de Lou Ye. Entre os rapazes, o destaque é Damien Murphy, que dá credibilidade ao herói de Loach.
Dois documentários destacam nos próximos dias a importância dos atores. "Marcello - Una Vita Dolce" lembra um protagonista mitológico da era de ouro do cinema italiano. Já John Ford/John Wayne - The Filmmaker and The Legend" relembra meio século de colaboração essencial para a consolidação do faroeste como o gênero americano por excelência e de Hollywood como a usina mundial de sonhos.


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