|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
NELSON ASCHER
A luta de classes em Sampa
Armas são máquinas e, para os facínoras, além de propriedade privada, são bens de capital
|
O CRIME, como se sabe, resulta
da desigualdade. Uma vez
que há muitas espécies de
desigualdade, talvez valha a pena
investigar quais seriam as mais "criminogênicas".
Pois, se é verdade que alguns possuem mais disso ou daquilo e alguns, menos, salta aos olhos que
uma das grandes desigualdades sociais é a da posse de armas. Os delinqüentes têm mais do que os cidadãos comuns e, provavelmente,
mais (e melhores) do que a polícia.
Armas são máquinas e, para os facínoras, além de simples propriedade
privada, são bens de capital.
O virtual controle criminoso dos
meios de produção de cadáveres é a
desigualdade que se encontra na
base de seu negócio. Elite ascendente que são, os celerados se beneficiam, como outrora a aristocracia,
de dois códigos legais diferentes.
Existe um que, incluindo de fato a
pena capital, propicia-lhes ampla liberdade de ação. (A despeito das
ilusões de ótica, a pena de morte é
aplicada liberalmente no Brasil:
quem desafie ou cruze o caminho
do PCC saberá disso, se bem que
por pouco tempo.).
O outro código foi como que talhado sob medida para, com a desculpa esfarrapada de circunscrever
uma "civilização" que apenas seus
advogados auto-selecionados sabem o que é, impedir a sociedade de
se proteger.
Como foi que, demograficamente
minoritários, os facínoras impuseram condições que os favorecem?
Tal qual as demais vanguardas revolucionárias através da história,
eles contam com uma organização
superior e uma ideologia que serve
a seus interesses. O crime organizado nada mais faz que seguir os passos dos antigos opressores: nobres
feudais, mercadores, barões de indústria, burocratas estatais.
A história da humanidade é, decerto, a da luta de classes e, no mundo inteiro, sob nomes distintos,
ocultando-se com sua retórica atrás
de causas (esquerdistas, direitistas,
confessionais, n.d.a.) enganosamente justas, os criminosos estão
agora se convertendo numa nova
classe dominante.
Nossos observadores esclarecidos andaram ditando aos concidadãos o que fazer ou deixar de fazer.
Segundo eles, nunca se deve ceder
ao medo, por mais adequado que
este seja.
Tolamente, ao não lhes dar ouvidos, a população recorreu à greve
geral. Ocorre que a greve só é "legítima" se desencadeada por minorias com o intuito de chantagear a
maioria. Caso se interrompa o trânsito da cidade e se promova um
quebra-quebra, tanto melhor. Extrair privilégios setoriais é bom; zelar pela própria vida, ruim. E os cidadãos que protestam ou param,
exigindo condições decentes de segurança, agem, como afirmaram os
analistas, reacionária ou covardemente. Requer-se deles que sejam
heróicos, apesar de o Galileu brechtiano ter lamentado a sorte de uma
nação que precise de heróis.
O presidente, por seu turno, propôs, à guisa de solução, a construção de escolas em vez de presídios.
Boa idéia. Afinal, o próprio PCC
vem investindo em educação e, com
mais escolas, teremos no futuro delinqüentes mais informados, preparados e eficazes. O que é um batedor de carteira analfabeto perto de
um assaltante pós-graduado? Já os
colegas de nosso amado líder (Chávez, Morales, Fidel) gostarão de saber que, depois de depostos, o que
os aguarda é não a prisão, mas a sala
de aula. Não fosse Lula quem é,
conviria, no entanto, pressupor que
nem ele ignora dispormos de um
sistema educacional capaz de emburrecer até os celerados.
A proposta mais brilhante partiu,
contudo, de onde se esperava e foi a
seguinte: dado que, detendo o monopólio da violência real, os criminosos desejam se apropriar dos
bens do resto da população, por que
não converter seus objetivos em
programa de governo? Apoiado na
desculpa falida do igualitarismo, o
Estado poderia, portanto, roubar o
que os cidadãos possuem.
Brecht, que um dia indagou "o
que é assaltar um banco comparado
a abrir um banco?", hoje perguntaria: "O que é abrir um banco comparado a formular uma ideologia,
fundar um partido e tomar o poder?" Quanto a nós, pobres mortais
covardes, resta-nos somente torcer
para que o sucesso do PCC estimule
a concorrência de modo a que, no
futuro, possamos ao menos optar
entre o PCC, o PCCB, o PCC do B e
assim por diante.
Texto Anterior: Artista compõe "mosaico de medos" Próximo Texto: Cinema: "O Código da Vinci" arrecada US$ 224 mi na estréia Índice
|