São Paulo, sábado, 22 de maio de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

LIVROS

Estreia de Drummond ganha edição especial

Instituto Moreira Salles lança volume fac-similar nos 80 anos de "Alguma Poesia"

Organizada por Eucanaã Ferraz, homenagem reúne críticas e cartas da época em que a obra veio a público e gerou furor no meio literário


FABIO VICTOR
DA REPORTAGEM LOCAL

Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) pensou em destruir os poemas que o revelariam para o país. Em carta a Mário de Andrade em 1926, escreveu: "Não me sinto capaz de grandes coisas, por isso também não sinto dificuldade em renunciar a executá-las. E não me queira mal, se um dia eu te escrever que rasguei o meu caderno de versos".
Com a ternura habitual, o amigo passou-lhe um pito. "Isso você não tem direito de fazer e seria covardia. Você pode ficar pratiquíssimo na vida se quiser, porém não tem direito de rasgar o que já não é mais só seu, que você mostrou pros amigos e eles gostaram. (...) Eu quero uma cópia de todos os seus versos pra mim. Quero e exijo, é claro", disse Mário.
Quatro anos depois, em maio de 1930, saiu "Alguma Poesia", o primeiro livro de Drummond, aberto com o "Poema de Sete Faces" ("Quando nasci, um anjo torto/ desses que vivem na sombra/ disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida").
Trazia ainda "No Meio do Caminho", "Quadrilha" ("João amava Teresa que amava Raimundo") e outros 51 poemas. Pelos 80 anos da assombrosa estreia, o Instituto Moreira Salles lança, no dia 30, "Alguma Poesia: O Livro em Seu Tempo", edição especial organizada pelo poeta Eucanaã Ferraz.
O volume traz o fac-símile do exemplar de "Alguma Poesia" que pertenceu a Drummond, o que lhe empresta um luxo adicional: anotações à mão do poeta, alterando títulos e versos ou suprimindo palavras.
Descobrimos, por exemplo, que, na versão original de "Quadrilha", J. Pinto Fernandes, aquele "que não tinha entrado na história", se chamava Brederodes -o nome foi riscado por Drummond, que escreveu ao lado o do substituto.
Quando o livro foi lançado, o poeta de Itabira tinha 27 anos. Era já um jornalista experimentado (começara com 16) e publicara poemas em periódicos literários, inclusive na "Revista de Antropofagia", mas, por rigor excessivo ou falta de oportunidade e de grana, alentou por dez anos sua estreia.
A esclarecedora apresentação de Eucanaã disseca a construção de "Alguma Poesia" no período. Salta aos olhos o papel crucial do autor de "Pauliceia Desvairada", espécie de baliza modernista de Drummond, que lhe dedicou a obra ("A Mário de Andrade, meu amigo").
Ao comentar, em 1924, poemas que Drummond lhe enviara, Mário elogia o que achou ser transgressão gramatical no primeiro verso de "Nota Social" ("O poeta chega na estação"): O mineiro responde que na verdade fora um descuido [o correto seria "chega à estação"] e que vai corrigi-lo: "Ainda não posso compreender os seus curiosos excessos. Aceitar tudo que vem do povo é uma tolice que nos leva ao regionalismo".
Mário dá-lhe uma bronca ("Quem como você mostrou a coragem de reconhecer a evolução das artes até a atualização delas põe-se com isso em manifesta contradição consigo mesmo"), Drummond então capitula. Pede, literalmente, perdão e mantém o "na estação". O autor pagou do seu bolso, em várias prestações, a primeira edição, impressa na gráfica do Minas Gerais, órgão oficial do Estado do qual era redator.
"Alguma Poesia" saiu pela Pindorama, uma pequena editora de autor (Eduardo Frieiro). As resenhas na mídia pelo país foram em geral consagradoras. Bandeira apontou que "ironia e ternura agem (...) como um jogo automático de alavancas de estabilização". Mas houve quem desancasse, como Medeiros de Albuquerque ("bonito, bem impresso. Mas oco. Não tem nada dentro").
A história mostrou que oca era a crítica. "É incrível o que ele conseguiu já no primeiro livro. Nem João Cabral nem Vinicius chegaram ao volume e à qualidade de Drummond desde a estreia", afirma Eucanaã.


ALGUMA POESIA: O LIVRO EM SEU TEMPO

Autor: Carlos Drummond de Andrade
Organização: Eucanaã Ferraz
Editora: Instituto Moreira Salles
Quanto: R$ 50 (392 págs.)
Lançamento: 30 de maio, às 18h, no IMS do Rio (r. Marquês de São Vicente, 476, Gávea, tel.: 00xx21 3284-7400)




Texto Anterior: Análise: Personagens de Roth são reféns dos próprios corpos
Próximo Texto: Vitrine
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.