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LIVROS
Estreia de Drummond ganha edição especial
Instituto Moreira Salles lança volume fac-similar nos 80 anos de "Alguma Poesia"
Organizada por Eucanaã
Ferraz, homenagem reúne críticas e cartas da época em
que a obra veio a público e
gerou furor no meio literário
FABIO VICTOR
DA REPORTAGEM LOCAL
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) pensou em
destruir os poemas que o revelariam para o país.
Em carta a Mário de Andrade
em 1926, escreveu: "Não me
sinto capaz de grandes coisas,
por isso também não sinto dificuldade em renunciar a executá-las. E não me queira mal, se
um dia eu te escrever que rasguei o meu caderno de versos".
Com a ternura habitual, o
amigo passou-lhe um pito. "Isso você não tem direito de fazer
e seria covardia. Você pode ficar pratiquíssimo na vida se
quiser, porém não tem direito
de rasgar o que já não é mais só
seu, que você mostrou pros
amigos e eles gostaram. (...) Eu
quero uma cópia de todos os
seus versos pra mim. Quero e
exijo, é claro", disse Mário.
Quatro anos depois, em maio
de 1930, saiu "Alguma Poesia",
o primeiro livro de Drummond,
aberto com o "Poema de Sete
Faces" ("Quando nasci, um anjo torto/ desses que vivem na
sombra/ disse: Vai, Carlos! ser
gauche na vida").
Trazia ainda "No Meio do Caminho", "Quadrilha" ("João
amava Teresa que amava Raimundo") e outros 51 poemas.
Pelos 80 anos da assombrosa
estreia, o Instituto Moreira Salles lança, no dia 30, "Alguma
Poesia: O Livro em Seu Tempo", edição especial organizada
pelo poeta Eucanaã Ferraz.
O volume traz o fac-símile do
exemplar de "Alguma Poesia"
que pertenceu a Drummond, o
que lhe empresta um luxo adicional: anotações à mão do poeta, alterando títulos e versos ou
suprimindo palavras.
Descobrimos, por exemplo,
que, na versão original de "Quadrilha", J. Pinto Fernandes,
aquele "que não tinha entrado
na história", se chamava Brederodes -o nome foi riscado por
Drummond, que escreveu ao
lado o do substituto.
Quando o livro foi lançado, o
poeta de Itabira tinha 27 anos.
Era já um jornalista experimentado (começara com 16) e
publicara poemas em periódicos literários, inclusive na "Revista de Antropofagia", mas,
por rigor excessivo ou falta de
oportunidade e de grana, alentou por dez anos sua estreia.
A esclarecedora apresentação de Eucanaã disseca a construção de "Alguma Poesia" no
período. Salta aos olhos o papel
crucial do autor de "Pauliceia
Desvairada", espécie de baliza
modernista de Drummond,
que lhe dedicou a obra ("A Mário de Andrade, meu amigo").
Ao comentar, em 1924, poemas que Drummond lhe enviara, Mário elogia o que achou ser
transgressão gramatical no primeiro verso de "Nota Social"
("O poeta chega na estação"): O
mineiro responde que na verdade fora um descuido [o correto seria "chega à estação"] e que
vai corrigi-lo: "Ainda não posso
compreender os seus curiosos
excessos. Aceitar tudo que vem
do povo é uma tolice que nos leva ao regionalismo".
Mário dá-lhe uma bronca
("Quem como você mostrou a
coragem de reconhecer a evolução das artes até a atualização
delas põe-se com isso em manifesta contradição consigo mesmo"), Drummond então capitula. Pede, literalmente, perdão
e mantém o "na estação".
O autor pagou do seu bolso,
em várias prestações, a primeira edição, impressa na gráfica
do Minas Gerais, órgão oficial
do Estado do qual era redator.
"Alguma Poesia" saiu pela Pindorama, uma pequena editora
de autor (Eduardo Frieiro).
As resenhas na mídia pelo
país foram em geral consagradoras. Bandeira apontou que
"ironia e ternura agem (...) como um jogo automático de alavancas de estabilização". Mas
houve quem desancasse, como
Medeiros de Albuquerque
("bonito, bem impresso. Mas
oco. Não tem nada dentro").
A história mostrou que oca
era a crítica. "É incrível o que
ele conseguiu já no primeiro livro. Nem João Cabral nem Vinicius chegaram ao volume e à
qualidade de Drummond desde
a estreia", afirma Eucanaã.
ALGUMA POESIA: O LIVRO EM
SEU TEMPO
Autor: Carlos Drummond de Andrade
Organização: Eucanaã Ferraz
Editora: Instituto Moreira Salles
Quanto: R$ 50 (392 págs.)
Lançamento: 30 de maio, às 18h, no
IMS do Rio (r. Marquês de São Vicente,
476, Gávea, tel.: 00xx21 3284-7400)
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