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ANÁLISE
Personagens de Roth são reféns dos próprios corpos
Questão de fundo existencial na obra de autor norte-americano é ancorada
na metonímia para construir uma gramática de seres humanos aos pedaços
MARCOS FLAMÍNIO PERES
DA REPORTAGEM LOCAL
Mais do que a simples superexposição do corpo, há em
Philip Roth uma gramática do
corpo em pedaços, descendente de longa tradição literária e
imagística -de Ticiano a Géricault e Courbet.
Leitor de psicanálise, Roth
vai direto ao(s) ponto(s): ao falo, em "O Complexo de Portnoy", ao escroto, em "A Marca
Humana", ao seio esquerdo, em
"O Animal Agonizante".
Seus personagens são reféns
de seus corpos: o superexcitado
de Alexandre Portnoy, o quase
branco de Coleman Silk -mas
identificado como negro ao se
despir diante de uma prostituta
em um bordel de Norfolk- ou
àqueles em franca degradação
dos romances de velhice, como
"Homem Comum" e "Fantasma Sai de Cena".
São vidas inteiras dependentes de uma única parte, que define a relação delas consigo
mesmas e com o outro. Está aí a
chave estrutural das narrativas
de Roth: a questão de fundo
existencial é fortemente ancorada numa das figuras centrais
da retórica clássica, que é a metonímia, ou a parte pelo todo.
Roth a utiliza bem e à exaustão, e não por acaso Coleman
Silk, protagonista de "A Marca
Humana", leciona tragédia grega, e a epígrafe do livro é tomada do "Édipo Rei", de Sófocles.
O sentido da existência também se revela no seio canceroso
da Consuelo de "O Animal Agonizante", implorando ao antigo
amante: "Quero que você apalpe o meu câncer". E conclui:
"Estamos nadando, afundando
no tempo, até que por fim nos
afogamos e sumimos".
Contudo é nas obras de grande fatura que Roth explora todo
o potencial dessa figura. Por
exemplo, em "O Teatro de Sabbath", em que o corpo transcende o corpo e se torna ideologia -ou seu fracasso.
Assim, quando Mickey Sabbath cheira desesperadamente
as calcinhas da filha do velho
amigo que o hospeda, ele abre
mão do prazer do corpo real em
troca do tecido delicado e cheiroso. Aqui o corpo não está
mais referido por uma parte de
si mesmo, mas por um simples
objeto fetichizado.
O ápice metonímico ocorre
na cena final: a bandeira norte-americana surge enrolada e
enlameada em torno do corpo
degradado do protagonista, um
"loser". Um pedaço de pano colorido e estrelado, que deveria
simbolizar os ideais de uma nação de 300 milhões de pessoas,
escancara o fracasso das aspirações libertárias dos anos 1960.
Agora o vazio não é somente
de uma existência, mas de toda
uma geração.
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