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CINEMA - ESTRÉIAS
"O Rio" guarda enigmas para contemplativos
da Redação
É um pouco difícil se relacionar
com certos filmes, como "O Rio",
que ganhou o Urso de Prata em
Berlim, sobretudo quando sabemos que o diretor malaio Tsai
Ming-Liang também levou o Leão
de Ouro em Veneza, com "Viva o
Amor", e é tido como forte candidato à Palma de Ouro deste ano
em Cannes, com "The Hole".
Segundo Ming-Liang, o mergulho no rio é uma metáfora do mergulho na vida: quanto mais afundamos, mais lodo encontramos.
A dúvida que esse pessimismo
suscita é: até que ponto seria sincero ou mercadológico? Pois "O
Rio" é um filme de choque, como
se ele fosse sua essência.
Tudo começa quando o jovem
Hsiao-Kang joga-se em um rio poluidíssimo de Taipé (Taiwan), para interpretar um morto em uma
filmagem.
Do mergulho decorrem -ao
menos é o que dá a entender-
dores no pescoço. Elas nos introduzem na intimidade da família de
Hsiao-Kang, cujo pai é homossexual e cuja mãe é frustrada, mesmo em relações extraconjugais.
Se daí vem o choque -que se
aprofundará-, vem também o
tratamento que o diretor imprime
a seu trabalho: longos tempos
mortos, em que o não-acontecer
importa mais do que o acontecer.
Como Ming-Liang é uma espécie
de xodó da crítica internacional
-da boa crítica, diga-se-, resta a
sensação de estar na festa errada,
de não ter entendido aonde ele
quer chegar com seu trabalho.
Certas imagens soam muito óbvias para se sustentar. Uma delas,
a do quarto do pai de Hsiao-Kang,
com infiltrações de água. Parece
óbvio que as águas, invadindo o
cômodo, nos falam de uma degenerescência irreversível.
Assim também a dor no pescoço
de Hsiao-Kang: ela diz respeito à
dor que projeta o rapaz numa outra dimensão, quando toma contato com a impureza da existência.
Na verdade, mesmo o trabalho
com os tempos longos, que produz um esgarçamento dramático,
não parece tão original assim.
Foi desenvolvido -com mais
vigor- pelos diretores brasileiros
do "experimental" (ou "underground") no final dos anos 60 e
início dos 70. "O Anjo Nasceu",
de Júlio Bressane, para ficar com
apenas um exemplo, desenvolve
um trabalho tão audaz com o tempo quanto o cineasta malaio, embora seus personagens pareçam
mais vivos, e os recursos utilizados pareçam mais variados.
No entanto, há de se deixar uma
porta aberta para a hipótese de incompreensão, pois em certos casos bate-se na porta errada e não
se tem acesso ao que um filme tem
de mais interessante.
Pois o enigmático "O Rio" também tem belos momentos (dúvida: será tão difícil assim produzi-los?) e sem dúvida dirige-se sobretudo aos admiradores de um
cinema mais contemplativo.
(INÁCIO ARAUJO)
Filme: O Rio
Produção: Taiwan, 1997
Direção: Tsai Ming-Liang
Com: Lee Kang-Sheng, Miao Tien
Quando: a partir de hoje, no Espaço
Unibanco de Cinema - sala 3
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