São Paulo, sexta, 22 de maio de 1998

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CINEMA - ESTRÉIAS
"O Rio" guarda enigmas para contemplativos

da Redação

É um pouco difícil se relacionar com certos filmes, como "O Rio", que ganhou o Urso de Prata em Berlim, sobretudo quando sabemos que o diretor malaio Tsai Ming-Liang também levou o Leão de Ouro em Veneza, com "Viva o Amor", e é tido como forte candidato à Palma de Ouro deste ano em Cannes, com "The Hole".
Segundo Ming-Liang, o mergulho no rio é uma metáfora do mergulho na vida: quanto mais afundamos, mais lodo encontramos.
A dúvida que esse pessimismo suscita é: até que ponto seria sincero ou mercadológico? Pois "O Rio" é um filme de choque, como se ele fosse sua essência.
Tudo começa quando o jovem Hsiao-Kang joga-se em um rio poluidíssimo de Taipé (Taiwan), para interpretar um morto em uma filmagem.
Do mergulho decorrem -ao menos é o que dá a entender- dores no pescoço. Elas nos introduzem na intimidade da família de Hsiao-Kang, cujo pai é homossexual e cuja mãe é frustrada, mesmo em relações extraconjugais.
Se daí vem o choque -que se aprofundará-, vem também o tratamento que o diretor imprime a seu trabalho: longos tempos mortos, em que o não-acontecer importa mais do que o acontecer.
Como Ming-Liang é uma espécie de xodó da crítica internacional -da boa crítica, diga-se-, resta a sensação de estar na festa errada, de não ter entendido aonde ele quer chegar com seu trabalho.
Certas imagens soam muito óbvias para se sustentar. Uma delas, a do quarto do pai de Hsiao-Kang, com infiltrações de água. Parece óbvio que as águas, invadindo o cômodo, nos falam de uma degenerescência irreversível.
Assim também a dor no pescoço de Hsiao-Kang: ela diz respeito à dor que projeta o rapaz numa outra dimensão, quando toma contato com a impureza da existência.
Na verdade, mesmo o trabalho com os tempos longos, que produz um esgarçamento dramático, não parece tão original assim.
Foi desenvolvido -com mais vigor- pelos diretores brasileiros do "experimental" (ou "underground") no final dos anos 60 e início dos 70. "O Anjo Nasceu", de Júlio Bressane, para ficar com apenas um exemplo, desenvolve um trabalho tão audaz com o tempo quanto o cineasta malaio, embora seus personagens pareçam mais vivos, e os recursos utilizados pareçam mais variados.
No entanto, há de se deixar uma porta aberta para a hipótese de incompreensão, pois em certos casos bate-se na porta errada e não se tem acesso ao que um filme tem de mais interessante.
Pois o enigmático "O Rio" também tem belos momentos (dúvida: será tão difícil assim produzi-los?) e sem dúvida dirige-se sobretudo aos admiradores de um cinema mais contemplativo.
(INÁCIO ARAUJO)

Filme: O Rio Produção: Taiwan, 1997 Direção: Tsai Ming-Liang Com: Lee Kang-Sheng, Miao Tien Quando: a partir de hoje, no Espaço Unibanco de Cinema - sala 3



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