São Paulo, quinta-feira, 22 de junho de 2000


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MÚSICA
Compositor, que faz hoje 64 anos, se apresenta em Londres no mês que vem, com "big band" montada só para o show
Hermeto afina garrafas para inglês ver

ALESSANDRO TARSO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

"Pra mim vai ser um dia normal. A minha festa vai ser em casa, com a minha "patroa", os netos, os filhos e os telefonemas." Esta é a expectativa, para hoje, do aniversariante Hermeto Pascoal, que completa 64 anos.
O "bruxo" multiinstrumentista (como é conhecido no mundo todo) deverá lançar seu primeiro livro no dia 1º de setembro (veja texto ao lado). Ele tocou no último fim-de-semana em Fortaleza (CE) e em São Paulo, mas hoje quer descansar.
Um "dia normal" na vida de Pascoal, porém, não é tão simples quanto parece. "Chego a produzir mais no dia do meu aniversário do que em outros dias", diz. Agora mesmo ele deve estar finalizando a canção "Viva o Povo de Londres", que na versão final deve alcançar "mais de 20 minutos".
E o povo da capital inglesa vai poder conhecer a música em 6 de julho, quando Hermeto tocará no Festival 500 Anos, ao lado de uma "big band" formada especialmente para o evento.
Conhecido pela capacidade de extrair música de objetos banais, como uma chaleira, o instrumentista diz que vai afinar 60 garrafas para a "big band" londrina tocar.
Além disso, é possível que ele mostre neste show sua mais nova criação: o cavalino. "É uma mistura de cavaquinho com violino", afirma. Segundo Hermeto, a idéia é tocar um cavaquinho (que está sendo feito sob medida), afinado como tal, com um arco de violino. "Ainda estou estudando o instrumento, mas acho que vai ficar danado de bom", diz.
Hermeto nasceu em Lagoa da Canoa (150 km de Maceió, em Alagoas), em 22 de junho de 1936, em uma família de sanfoneiros. Na época, a cidade, que hoje tem pouco mais de 17 mil habitantes, não tinha nem luz elétrica. Hermeto só foi conhecer rádio em Recife, para onde se mudou aos 14.
"Minha maior influência foram os barulhos do mato, dos rios e dos animais. O meu rádio eram os passarinhos, os lagos, os peixes e o povo." Povo? "Isso mesmo. Comecei com a flauta, mas aos 8 anos já tocava sanfona, com meu pai, nos bailes da cidade, ou seja, com o povo", diz.
Sobre a mania de "inventar" novos instrumentos, o "bruxo" diz que também começou na infância. "Meu avô era ferreiro e eu me inspirei muito nele. Enquanto ele trabalhava, eu ficava mexendo nos ferros, nas ferramentas. Eu guardava todo resto de ferro porque achava bonito o som."
No final dos anos 50, depois de ganhar algum dinheiro como músico nas rádios de Recife, Hermeto partiu para São Paulo, repetindo a saga de vários conterrâneos, entre eles o parceiro Sivuca.
Sua aptidão musical não demorou a florescer. Em pouco tempo aprendia a tocar tudo o que viesse pela frente: percussão, piano, baixo, palhetas. Sem falar das panelas, máquina de costura, garrafas etc. Em uma de suas ousadias, chegou a gravar um documentário em que fazia música apenas com o barulho da água. Resumindo: tornou-se um mestre do improviso.
Na década de 60, formou com Airto Moreira, Heraldo do Monte e Theo de Barros o lendário "Quarteto Novo", que teria influenciado até os Beatles. Em 1970, foi para os EUA, onde gravou com um dos mitos do jazz, o norte-americano Miles Davis (1926-1991). Voltou para o Brasil, gravou discos memoráveis e desde então é um dos músicos brasileiros mais requisitados no circuito internacional.
Apesar disso tudo, é uma difícil aventura encontrar um CD de Pascoal em uma loja qualquer, mesmo em São Paulo. Direitos autorais? Com a palavra o "bruxo": "Ah!, sim. De vez em quando eu recebo R$ 50, R$ 100. Aqui é difícil, uma vergonha. Do exterior, recebo cerca de R$ 1.000, R$ 2.000 a cada seis meses. O dia em que fizerem uma CPI da música no Brasil, eu não sei não...".


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