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MÚSICA
Compositor, que faz hoje 64 anos, se apresenta em Londres no mês que vem, com "big band" montada só para o show
Hermeto afina garrafas para inglês ver
ALESSANDRO TARSO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
"Pra mim vai ser um dia normal. A minha festa vai ser em casa, com a minha "patroa", os netos,
os filhos e os telefonemas." Esta é
a expectativa, para hoje, do aniversariante Hermeto Pascoal, que
completa 64 anos.
O "bruxo" multiinstrumentista
(como é conhecido no mundo todo) deverá lançar seu primeiro livro no dia 1º de setembro (veja
texto ao lado). Ele tocou no último fim-de-semana em Fortaleza
(CE) e em São Paulo, mas hoje
quer descansar.
Um "dia normal" na vida de
Pascoal, porém, não é tão simples
quanto parece. "Chego a produzir
mais no dia do meu aniversário
do que em outros dias", diz. Agora mesmo ele deve estar finalizando a canção "Viva o Povo de Londres", que na versão final deve alcançar "mais de 20 minutos".
E o povo da capital inglesa vai
poder conhecer a música em 6 de
julho, quando Hermeto tocará no
Festival 500 Anos, ao lado de uma
"big band" formada especialmente para o evento.
Conhecido pela capacidade de
extrair música de objetos banais,
como uma chaleira, o instrumentista diz que vai afinar 60 garrafas
para a "big band" londrina tocar.
Além disso, é possível que ele
mostre neste show sua mais nova
criação: o cavalino. "É uma mistura de cavaquinho com violino",
afirma. Segundo Hermeto, a idéia
é tocar um cavaquinho (que está
sendo feito sob medida), afinado
como tal, com um arco de violino.
"Ainda estou estudando o instrumento, mas acho que vai ficar danado de bom", diz.
Hermeto nasceu em Lagoa da
Canoa (150 km de Maceió, em
Alagoas), em 22 de junho de 1936,
em uma família de sanfoneiros.
Na época, a cidade, que hoje tem
pouco mais de 17 mil habitantes,
não tinha nem luz elétrica. Hermeto só foi conhecer rádio em Recife, para onde se mudou aos 14.
"Minha maior influência foram
os barulhos do mato, dos rios e
dos animais. O meu rádio eram os
passarinhos, os lagos, os peixes e o
povo." Povo? "Isso mesmo. Comecei com a flauta, mas aos 8
anos já tocava sanfona, com meu
pai, nos bailes da cidade, ou seja,
com o povo", diz.
Sobre a mania de "inventar" novos instrumentos, o "bruxo" diz
que também começou na infância. "Meu avô era ferreiro e eu me
inspirei muito nele. Enquanto ele
trabalhava, eu ficava mexendo
nos ferros, nas ferramentas. Eu
guardava todo resto de ferro porque achava bonito o som."
No final dos anos 50, depois de
ganhar algum dinheiro como músico nas rádios de Recife, Hermeto partiu para São Paulo, repetindo a saga de vários conterrâneos,
entre eles o parceiro Sivuca.
Sua aptidão musical não demorou a florescer. Em pouco tempo
aprendia a tocar tudo o que viesse
pela frente: percussão, piano, baixo, palhetas. Sem falar das panelas, máquina de costura, garrafas
etc. Em uma de suas ousadias,
chegou a gravar um documentário em que fazia música apenas
com o barulho da água. Resumindo: tornou-se um mestre do improviso.
Na década de 60, formou com
Airto Moreira, Heraldo do Monte
e Theo de Barros o lendário
"Quarteto Novo", que teria influenciado até os Beatles. Em
1970, foi para os EUA, onde gravou com um dos mitos do jazz, o
norte-americano Miles Davis
(1926-1991). Voltou para o Brasil,
gravou discos memoráveis e desde então é um dos músicos brasileiros mais requisitados no circuito internacional.
Apesar disso tudo, é uma difícil
aventura encontrar um CD de
Pascoal em uma loja qualquer,
mesmo em São Paulo. Direitos
autorais? Com a palavra o "bruxo": "Ah!, sim. De vez em quando
eu recebo R$ 50, R$ 100. Aqui é difícil, uma vergonha. Do exterior,
recebo cerca de R$ 1.000, R$ 2.000
a cada seis meses. O dia em que fizerem uma CPI da música no Brasil, eu não sei não...".
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