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RELÂMPAGOS
A véspera
JOÃO GILBERTO NOLL
Ele se preparava todo, não
tanto na parte visível do corpo, porque nem tinha mais
exatamente essa parte visível.
Só pele e osso. E uma infindável memória de dias melhores
na pele. Um corpo até imperativo em algumas noites. Isso! Sobretudo ao beber o vinho que lhe dava, digamos,
certa nobreza em estar em si
mesmo. Um inquilino perdulário daquele metro e oitenta
de altura, entre uma princesa
e outra, diante talvez de um
escudeiro tão forte quanto ele
na arte de "hablar". Mas hoje
ele estava ali, preparando-se
lentamente, no andamento
do fôlego. Ali, vivendo a véspera indecisa, abrindo o armário com esforço, trocando
a fronha, quem sabe a senha.
Ali, ouvindo um murmúrio
de fora, de lá, daquele vento
brando na relva da coxilha
que ele já não via mais...
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