São Paulo, sexta-feira, 22 de junho de 2001

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Multipremiado em festivais, longa estréia hoje no circuito comercial de 11 cidades do país, com 50 cópias

O 'Bicho' testa seu fôlego

Baseado em uma história real, filme de Laís Bodanzky fala de tratamento manicomial, uso de drogas e família

Divulgação
Os atores Gero Camilo, Rodrigo Santoro e Caco Cioler (da esq. para a dir.), em cena de "Bicho de Sete Cabeças", que estréia hoje


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Um cigarro de maconha flagrado pelo pai custou ao estudante Neto (Rodrigo Santoro) a internação em um hospital psiquiátrico, anos de medicação controlada e sessões de eletrochoque.
Baseado no relato testemunhal "Canto dos Malditos" (editora Rocco), "Bicho de Sete Cabeças" é o longa de estréia da diretora Laís Bodanzky, 31, que tem cinema no currículo por herança (é filha do cineasta Jorge Bodanzky) e conquista -dirigiu "Cartão Vermelho", entre outros seis curtas e vídeos. Com o marido, Luiz Bolognesi, roteirista de "Bicho", Bodanzky empreendeu o projeto de exibições públicas e gratuitas Cine Mambembe, em praças do país. Filme para o público é a divisa da cineasta, que realizou o seu primeiro título com R$ 1,5 milhão e foco no espectador adolescente.

Folha - Qual dos temas abordados em "Bicho de Sete Cabeças"- tratamento manicomial, relações familiares, intolerância, incomunicabilidade- mais lhe interessa? Que história queria contar?
Laís Bodanzky -
Vejo no filme dois temas centrais: a questão manicomial no Brasil hoje e a dificuldade de diálogo em família. Eu participava de um grupo de pesquisa sobre a questão manicomial para a produção do documentário "Loucura e Cidadania", de Roberto d'Avila. Descobri como era preconceituosa com o tema, a caricatura que tinha do universo da loucura. Fiquei decepcionada comigo mesma e emocionada com essa realidade. No meio da pesquisa, chegou às minhas mãos o livro "Canto dos Malditos", de Austregésilo Carrano Bueno. Esse foi o arremate. O livro é um desabafo. Escutei-o e tive certeza de que tinha de contar essa história, de fazer com que muitas pessoas soubessem desse grito para que a história não se repetisse. Hoje existem 70 mil internos em hospitais manicomiais no Brasil. É um número desproporcional. Não faz sentido essa quantidade de leitos, essa política de internação.

Folha - Supõe-se que as internações ocorram por distúrbios mentais existentes. No caso abordado em "Bicho", não havia doença.
Bodanzky -
Sem dúvida. Foi um erro médico. Mas, assim como esse erro ocorreu com Carrano, ele se repete hoje em diversas facetas. Esse é um dos grandes perigos do mundo da psiquiatria, que é um mundo abstrato, com um discurso poderoso, que a gente não tem como criticar ou fiscalizar. Quando o sofrimento mental justifica uma internação? O movimento antimanicomial não é contra a internação, mas defende que ela ocorra apenas em caso de crise. É claro que isso dá mais trabalho.

Folha - A captação de recursos para a produção estendeu-se por quase três anos. Que aspecto do roteiro afugentava os investidores?
Bodanzky -
Acho que a questão manicomial foi sempre o que incomodou mais. O filme não levanta tanto a questão da droga. Embora ela provoque a virada, seja o grande absurdo que coloca a posição radical da família e modifica a vida desse adolescente, não nos detivemos sobre isso, porque não era nossa questão central.

Folha - A escolha de Rodrigo Santoro para interpretar o protagonista foi sua primeira opção?
Bodanzky -
Nunca pensei em outra pessoa. Dois anos antes das filmagens, Paulo Autran leu o roteiro e me perguntou se eu já tinha o ator protagonista. Eu ainda não pensava a respeito, e ele me indicou Rodrigo Santoro, com quem havia trabalhado na minissérie "Hilda Furacão". Disse que era um excelente profissional, muito concentrado e com o perfil do personagem. Eu nem sabia direito quem era Rodrigo e fui assistir a "Hilda Furacão". Aí me "caiu a ficha", tinha de ser ele.

Folha - Com 16 prêmios conquistados em festivais, o filme aponta para uma carreira de público amplo, embora seja voltado para adolescentes. A intenção era fazer um filme para o público juvenil?
Bodanzky -
Desde o início. Com a experiência do Cine Mambembe [projeto de exibições cinematográficas em praças públicas", eu e o roteirista Luiz Bolognesi percebemos o quanto é importante a empatia do público com a história e com o personagem central. Como nosso protagonista era um adolescente, definimos que o filme seria para adolescentes.

Folha - Cineastas sempre lamentam a impossibilidade de corrigir falhas perpetuadas em seus filmes. Qual o defeito que você observa em "Bicho de Sete Cabeças"?
Bodanzky -
Colocamos o roteiro e a montagem para serem criticados por adolescentes. A partir dos comentários, algumas cenas saíram e outras foram incluídas. Quando você mostra um filme em que acredita para ser criticado, é uma crise. Há o impacto; você o absorve e muda. Passei por isso. Não sei dizer quantas vezes vi o "Bicho". A-do-ro esse filme. Estou lambendo a cria. Gosto de cada detalhe. Sou incapaz de citar um defeito. Não consigo.


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