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ARTIGO
Vontade de identificação com o público nasceu no roteiro
LAÍS BODANZKY
ESPECIAL PARA A FOLHA
"O diálogo com o público." Conversando com
outros cineastas, percebo que essa
é uma frase-chave no cinema brasileiro hoje. Há quatro anos, Luiz
Bolognesi (roteirista de "Bicho")
e eu resolvemos que essa seria
nossa meta: contar uma história
que dialogasse com muita gente.
Agora está chegando esse momento tão sonhado e milimetricamente calculado. A vontade de
emocionar o espectador nasceu
desde a fase do roteiro, testado
por um grupo de adolescentes,
nosso público-alvo, que criticou,
mudou e inventou sequências.
Percebemos que o roteiro ficou
maduro, porque atraiu profissionais respeitados, como o fotógrafo Hugo Kovensky, os atores
Othon Bastos, Cássia Kiss e Rodrigo Santoro, os produtores Caio
e Fabiano Gullane e Sara Silveira.
Em outubro de 2000, começamos as sessões em mostras e festivais pelo Brasil. Foram muito calorosas, e descobrimos que nosso
público-alvo está de fato se identificando com o filme, não só pela
linguagem, mas também pelo
conteúdo: a dificuldade de diálogo entre gerações e a não-aceitação do diferente.
Nós, da equipe do "Bicho", estamos acompanhando de perto cada exibição pelo Brasil. Uma boa
parte delas tem sido a convite do
movimento antimanicomial, que
tem nos dado passagens de avião,
hotel e divulgação, além do principal: sessões com debate! Essas
são as melhores, porque fica claro
que a história que aconteceu com
Carrano nos anos 70, que foi
adaptada para o filme para os dias
de hoje, infelizmente, continua
acontecendo.
Em Porto Alegre, uma senhora
me procurou após a sessão e contou que recentemente descobrira
que sua filha de 17 anos fumava
maconha. Ela estava determinada
a interná-la e disse que, com o filme, tinha mudado de idéia e pediria para sua filha assisti-lo.
Muita gente pensa que o Brasil é
um país liberal, de mulheres peladas e cabeça aberta. Só que a família brasileira acha tudo legal enquanto é com o outro. Quando se
depara com tabus inventados pela
própria sociedade, não sabe como
agir e, por vergonha e/ou ignorância, termina tomando atitudes
radicais de repressão e, o que é
pior, encontra instituições prontas para esconder esse "diferente", como os manicômios.
No Brasil existem 70 mil pessoas
internadas pelos mais absurdos
motivos. Elas tiveram a infelicidade de não encontrar alternativas à
internação, como atendimento
em hospitais gerais, profissionais
da área capacitados para reintegrá-las à sociedade e foram isoladas, excluídas e engolidas por
uma indústria da internação.
Laís Bodanzky é cineasta e diretora de
"Bicho de Sete Cabeças"
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