São Paulo, sexta-feira, 22 de junho de 2001

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ARTIGO

Vontade de identificação com o público nasceu no roteiro

LAÍS BODANZKY
ESPECIAL PARA A FOLHA

"O diálogo com o público." Conversando com outros cineastas, percebo que essa é uma frase-chave no cinema brasileiro hoje. Há quatro anos, Luiz Bolognesi (roteirista de "Bicho") e eu resolvemos que essa seria nossa meta: contar uma história que dialogasse com muita gente.
Agora está chegando esse momento tão sonhado e milimetricamente calculado. A vontade de emocionar o espectador nasceu desde a fase do roteiro, testado por um grupo de adolescentes, nosso público-alvo, que criticou, mudou e inventou sequências.
Percebemos que o roteiro ficou maduro, porque atraiu profissionais respeitados, como o fotógrafo Hugo Kovensky, os atores Othon Bastos, Cássia Kiss e Rodrigo Santoro, os produtores Caio e Fabiano Gullane e Sara Silveira.
Em outubro de 2000, começamos as sessões em mostras e festivais pelo Brasil. Foram muito calorosas, e descobrimos que nosso público-alvo está de fato se identificando com o filme, não só pela linguagem, mas também pelo conteúdo: a dificuldade de diálogo entre gerações e a não-aceitação do diferente.
Nós, da equipe do "Bicho", estamos acompanhando de perto cada exibição pelo Brasil. Uma boa parte delas tem sido a convite do movimento antimanicomial, que tem nos dado passagens de avião, hotel e divulgação, além do principal: sessões com debate! Essas são as melhores, porque fica claro que a história que aconteceu com Carrano nos anos 70, que foi adaptada para o filme para os dias de hoje, infelizmente, continua acontecendo.
Em Porto Alegre, uma senhora me procurou após a sessão e contou que recentemente descobrira que sua filha de 17 anos fumava maconha. Ela estava determinada a interná-la e disse que, com o filme, tinha mudado de idéia e pediria para sua filha assisti-lo.
Muita gente pensa que o Brasil é um país liberal, de mulheres peladas e cabeça aberta. Só que a família brasileira acha tudo legal enquanto é com o outro. Quando se depara com tabus inventados pela própria sociedade, não sabe como agir e, por vergonha e/ou ignorância, termina tomando atitudes radicais de repressão e, o que é pior, encontra instituições prontas para esconder esse "diferente", como os manicômios.
No Brasil existem 70 mil pessoas internadas pelos mais absurdos motivos. Elas tiveram a infelicidade de não encontrar alternativas à internação, como atendimento em hospitais gerais, profissionais da área capacitados para reintegrá-las à sociedade e foram isoladas, excluídas e engolidas por uma indústria da internação.


Laís Bodanzky é cineasta e diretora de "Bicho de Sete Cabeças"


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