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LIVRO/LANÇAMENTO
A sombra do sol
Associated Press
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Criança passa por tenda dos Médicos sem Fronteiras em Ajiep, no Sudão, cenário do livro "Ébano" |
Sai no Brasil "Ébano", obra na qual o polonês Ryszard Kapuscinski, expoente do
"jornalismo literário", narra 40 anos de coberturas na África
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CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Durante 40 anos, o polonês
Ryszard Kapuscinski farejou cada
fragmento empoeirado do território africano. Funcionário único
da Agência de Notícias da Polônia
no continente, o jornalista enfiou
o nariz em todos os tipos de conflitos internacionais imagináveis e
acompanhou, entre tiros, flechas
e machadadas, a independência
de 25 colônias européias.
Ex-jogador de futebol em Varsóvia, ele driblou linchamentos,
cobras e leões, tuberculoses e malárias cerebrais. Também deu um
"olé" na efemeridade jornalística.
Seus relatos calorosos do front viraram 20 livros e um número gêmeo de prêmios literários.
Aos 70 anos, publicado em 30
idiomas, Richard Kapuchinski
(como se pronuncia seu nome)
têm seu segundo título lançado
em território brasileiro. Está chegando às livrarias na próxima semana "Ébano", o trabalho mais
recente desse expoente máximo
do "jornalismo literário".
No livro, o autor narra, com cinco sentidos, todos os espanto que
existem em um continente como
o africano para um réles "mzungu" (homem branco, em suaíli).
Começa relatando a violência
da luz solar em Gana, país pelo
qual começou sua odisséia, em
1958; termina narrando as sombras da miséria e falta de expectativas da África contemporânea.
Em entrevista à Folha, o escritor e
jornalista, que virá em outubro ao
Brasil, um dos temas de seu próximo livro, ilumina nuances desse
continente de sol e sombras.
Folha - O pensador francês Jean
Baudrillard disse recentemente à
Folha que a globalização ainda não
tomou conta de todo o mundo pois
a África, "última utopia possível",
não está sendo considerada parte
do jogo. O que o sr. pensa disso?
Ryszard Kapuscinski - A globalização não mudou a África até
agora. E a tendência é que o continente só perca com esse processo.
Parece claro que a globalização
aumenta as diferenças entre os
centros e as periferias do mundo.
A África não só não participa e dificilmente participará da distribuição da riqueza global como é a
grande vítima do mito globalizante. Já se estimula muito a difusão
da idéia de que os africanos devem esperar, que a globalização
vai resolver todas suas mazelas.
O mito da globalização como
solução para todos os problemas
dramáticos do mundo é uma
idéia perigosa, um modo distorcido de apresentar a realidade.
Folha - Como o sr. compararia a
realidade da África de hoje em relação à que o sr. viu nos anos 50?
Kapuscinski - Nos anos 50 e 60
existia um grande otimismo. Se
vinculava, naquele tempo, o problema da independência com
questões de bem estar social. Existia a idéia de que uma vez que o
país ficasse livre o progresso se faria automaticamente.
Foi o contrário. Hoje o continente está em condições muito
ruins e não se vislumbra nenhuma solução imediata para tantas
desgraças. Os africanos enfrentam atualmente uma nova seca, a
água potável é cada vez mais rara
e as epidemias se multiplicam. As
estruturas estatais são muito fracas para lidar com tanta desgraça.
Folha - Qual o motivo da fragilidade dos Estados africanos?
Kapuscinski - O maior problema
é que os Estados-nação africanos
foram modelados segundo estruturas européias coloniais. O nacionalismo patriótico africano
anticolonialista em vez de modificar e reformar os Estados coloniais tratou de não deixar que mexessem em suas bases.
Essa é a grande razão por trás do
enorme número de conflitos na
região nas últimas décadas.
Folha - O sr. arriscou o pescoço
muitas vezes para cobrir esses conflitos. Como o sr. lidou com o medo
constante da morte?
Kapuscinski - O problema essencial, muitas vezes, não é o medo
de que alguém atire em você. É
que em diversas situações simplesmente não há nada para comer. Ao mesmo tempo, existem
todos os tipos de doença por perto e nenhum hospital nas cercanias. Os grandes problemas na
África são os problemas da vida
diária. Para experimentar essas
dificuldades e seguir nas trincheiras é necessário ter muita motivação e um pouco de loucura.
Folha - O sr. vê muitas características comuns entre Brasil e África?
Kapuscinski - Sim, há muito da
África por aí. Vou tratar deste tema no meu próximo livro, que será sobre a América Latina. O Brasil é um fenômeno incrível. É o
modelo da sociedade planetária
do século 21, um país de inúmeras
possibilidades de criação, uma
nação formada por tantas culturas e raças e com um só idioma.
Folha - Outro idioma que falamos
com frequência é o do futebol. Nessa Copa do Mundo os africanos
apareceram bem mais uma vez.
Qual a leitura que o sr. faz do fortalecimento do futebol africano?
Kapuscinski - O desenvolvimento do futebol na África é um elemento de descolonização cultural
e mental desse continente. É um
símbolo de criação de novas independências culturais.
ÉBANO - De: Ryszard Kapuscinski.
Tradução: Tomasz Barcinski. Editora: Cia
das Letras. Quanto: R$ 37 (360 págs.)
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