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MÚSICA ERUDITA
Os futuros do passado de Luciano Berio
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Duas gerações aprenderam a gostar de música contemporânea ouvindo a "Sinfonia"
(1968) de Luciano Berio. Cansada
de ser contemporânea, a "Sinfonia" volta agora como um clássico; ou pelo menos foi assim que a
Osesp fez soar essa música, quinta-feira, na Sala São Paulo.
Na programação original, Berio
estaria na cidade para o concerto;
motivos de doença impediram o
compositor septuagenário de viajar. Teria sido uma honra e tanto
ver o mestre no pódio; mas, cá entre nós, o substituto fez mais do
que bonito. Elegante e energético,
à vontade seja na massa gigantesca da megasinfônica seja nas miniorquestras de câmara que a música vai inventando, Lothar Koenigs fez a Osesp tocar a "Sinfonia"
com naturalidade, e sobrenaturalidade também.
Quem diria que a orquestra nasceu para tocar música contemporânea? Mas nasceu anteontem,
afinal, se a ocasião desculpa este
exagero.
Antes que a gente se perca nos
esplendores de 1968, cabe comentar o "Concertino" do mesmo Berio, que serviu para abrir o apetite.
Muitos dos gestos típicos de Berio
já estão aqui nesta peça de 1949:
paisagens harmônicas mudando
aos poucos de luz; longos pedais
nas cordas; trinados que suspendem a música no ar. Harpa e celesta formando um centauro,
cumprindo papel de anfitrião para o bicho solista de duas cabeças:
clarinete (Ovanir Buosi) e o violino (Eugen Bold).
Mas, saído das fraldas, Berio já
escrevia para os instrumentos
melhor do que qualquer um de
sua geração. Nas melodias caleidoscópicas, toda a história de um
e outro se vê reanimada. Momentos impressionantes de sugestão
noturna. Lindo andante final, que
se quebra subitamente em silêncio, para não dizer em futuro.
O futuro do passado parece um
tema de Schubert (1797-1828),
também nesse contexto. O futuro
é ele mesmo, adivinhando-se em
Mozart, que habita a "Sinfonia nš
5" como um bom fantasma. Intensidade rara da orquestra. Intensidade não é a palavra: presença. A Osesp estava presente na
música, compasso após compasso. E a música, agradecida, retribuiu com cargas de verdade e de
beleza.
Já na "Sinfonia" o tema parece
mais o passado do futuro. Não só
no famoso terceiro movimento
-a espetacular colagem de pedaços de música sobre o chão do
"scherzo" da "Sinfonia nš 2" de
Mahler, com direito a colagens
verbais também (de Beckett a Lévi-Strauss). Ou no segundo, um
monumento a Martin Luther
King em forma de música, as vogais se sucedendo ao longo da série repetida de sete notas até formarem o nome do pastor. É a
"Sinfonia" inteira que soa agora
como citação de si, ou de uma tradição que ela mesma instaura, para se renovar no infinito dos dias.
Paulo Álvares, grande pianista,
modestamente comendo a bola
no canto do palco.
E os Swingle Singers? Herdeiros
do conjunto que estreou a "Sinfonia" em Nova York, mesclaram-se à orquestra como a música pede, sem se apagar nem brilhar demais.
Que música, que noite. Até a
Copa desaparece da mente, reduzida a um jogo de futebol que ninguém pensaria em assistir às
3h30. São 3h25, e nenhum de nós
tem ânimo para ver no que vai
dar. Quem era mesmo que jogava?
Concerto da Osesp
Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes,
s/nš, SP, tel. 0/xx/11/3337-5414)
Quando: hoje, às 16h30
Quanto: de R$ 12 a R$ 36
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