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Ferreira Gullar também faz TV
DA REPORTAGEM LOCAL
Há dois anos no papel de apresentador do programa "Gerações", da STV, o poeta Ferreira
Gullar, 72, inteiramente à vontade
frente às câmeras, tem como assunto a maturidade. No intervalo
das gravações, Gullar falou à Folha sobre televisão.
(FD)
Folha - Por que o sr. aceitou apresentar um programa de TV?
Ferreira Gullar - Fui convidado
pelo Roberto Viana, meu amigo e
produtor. Eu jamais quis ser apresentador, mas vi que o programa
não era igual aos outros e que eu
prestaria um serviço. Se eu fosse
convidado para fazer um "talk
show", nem cogitaria.
Folha - O sr. fica à vontade diante
das câmeras?
Gullar - Inteiramente. Não quero
ser estrela. Pergunto em lugar do
público, e só. Às vezes faço um comentário engraçado, mas o pressuposto é que não entendo de nada do que está sendo discutido. Às
vezes entendo, como quando
houve um programa que envolvia
questões políticas dos anos 60 e
70, já que fui militante e preso. Então acrescento perguntas, mas
não estou ali para responder por
ninguém.
Folha - O sr. gosta de fazer TV?
Gullar - Estou trabalhando com
amigos e tenho prazer em vir encontrá-los. Houve uma expectativa de o programa terminar, e foi
um momento de certa melancolia. Felizmente não acabou.
Folha - Como foi a sua passagem
pela TV Globo?
Gullar - Fui roteirista da Globo
por 20 anos. Adaptei espetáculos
teatrais para o "Aplauso", nos
anos 70; fiz roteiros para os seriados "Carga Pesada" [79] e "Obrigado, Doutor" [81] e participei da
"Quarta Nobre". Criei com Dias
Gomes a série "As Noivas de Copacabana" [92], a novela "Araponga" [90], e a minissérie "O
Fim do Mundo" [96]. Depois da
morte dele, fui demitido. Trabalhar na Globo é muito aflitivo.
A empresa é íntegra com os funcionários, mas a estrutura de trabalho é muito estressante. Foi importante porque eu estava ao lado
de grandes autores, mas trabalhei
lá mais por dinheiro. Digo que
trabalhar na Globo significa fazer
entretenimento, e não arte. Fiz
trabalhos de qualidade, mas altamente comerciais. Sair de lá foi
um certo alívio, eles fizeram por
mim o que eu não tinha coragem
de fazer. Quando saí da Globo, até
comemorei com a minha mulher.
Folha - Qual a sua opinião sobre a
TV atual?
Gullar - Tem coisas boas e coisas
péssimas. É inconcebível uma sociedade de massa sem a televisão,
ela é uma parte orgânica da sociedade, mas como tem o problema
comercial, isso pesa muito sobre a
programação. Há programas que
eu absolutamente não vejo e que
considero constrangedores. Isso é
lamentável, porque a televisão é
uma concessão pública e tem um
compromisso diante da sociedade, que é uma construção nossa;
nós a inventamos e a mantemos, e
a cada dia ela vai sendo transformada, conservada ou estragada
por nós. Todos temos responsabilidade no que estamos fazendo, e
a TV tem um papel fundamental
por sua abrangência. Esta consciência não pode se reduzir simplesmente à preocupação de ganhar dinheiro e audiência.
Folha - A que o sr. assiste na TV?
Gullar - Aos jornais, mas, quando a coisa é chocante demais, eu
mudo de canal. Não acho que tenham que ocultar a violência, mas
não se pode criar uma imagem
aterrorizante da sociedade. Há
pessoas que me perguntam "mas
você mora no Rio?!"... O que que
há, cara? Existe violência no Rio,
mas não é essa coisa de botar o pé
fora de casa e levar um tiro. Não se
pode exagerar, dizer que há um
poder de Estado instalado nas favelas, isso é bobagem.
Folha - A TV é inimiga da leitura?
Gullar - Não. A TV é um instrumento da sociedade contemporânea e não adianta brigar com ela.
A TV, muitas vezes é -e deveria
ser mais- veículo da leitura. Conheço gente que nunca tinha lido
Eça de Queiroz e leu "Os Maias"
depois da minissérie da Globo.
"GERAÇÕES" - Quartas, 22h30
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