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São Paulo, domingo, 22 de junho de 2003

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Ferreira Gullar também faz TV

DA REPORTAGEM LOCAL

Há dois anos no papel de apresentador do programa "Gerações", da STV, o poeta Ferreira Gullar, 72, inteiramente à vontade frente às câmeras, tem como assunto a maturidade. No intervalo das gravações, Gullar falou à Folha sobre televisão. (FD)
 

Folha - Por que o sr. aceitou apresentar um programa de TV?
Ferreira Gullar -
Fui convidado pelo Roberto Viana, meu amigo e produtor. Eu jamais quis ser apresentador, mas vi que o programa não era igual aos outros e que eu prestaria um serviço. Se eu fosse convidado para fazer um "talk show", nem cogitaria.

Folha - O sr. fica à vontade diante das câmeras?
Gullar -
Inteiramente. Não quero ser estrela. Pergunto em lugar do público, e só. Às vezes faço um comentário engraçado, mas o pressuposto é que não entendo de nada do que está sendo discutido. Às vezes entendo, como quando houve um programa que envolvia questões políticas dos anos 60 e 70, já que fui militante e preso. Então acrescento perguntas, mas não estou ali para responder por ninguém.

Folha - O sr. gosta de fazer TV?
Gullar -
Estou trabalhando com amigos e tenho prazer em vir encontrá-los. Houve uma expectativa de o programa terminar, e foi um momento de certa melancolia. Felizmente não acabou.

Folha - Como foi a sua passagem pela TV Globo?
Gullar -
Fui roteirista da Globo por 20 anos. Adaptei espetáculos teatrais para o "Aplauso", nos anos 70; fiz roteiros para os seriados "Carga Pesada" [79] e "Obrigado, Doutor" [81] e participei da "Quarta Nobre". Criei com Dias Gomes a série "As Noivas de Copacabana" [92], a novela "Araponga" [90], e a minissérie "O Fim do Mundo" [96]. Depois da morte dele, fui demitido. Trabalhar na Globo é muito aflitivo.
A empresa é íntegra com os funcionários, mas a estrutura de trabalho é muito estressante. Foi importante porque eu estava ao lado de grandes autores, mas trabalhei lá mais por dinheiro. Digo que trabalhar na Globo significa fazer entretenimento, e não arte. Fiz trabalhos de qualidade, mas altamente comerciais. Sair de lá foi um certo alívio, eles fizeram por mim o que eu não tinha coragem de fazer. Quando saí da Globo, até comemorei com a minha mulher.

Folha - Qual a sua opinião sobre a TV atual?
Gullar -
Tem coisas boas e coisas péssimas. É inconcebível uma sociedade de massa sem a televisão, ela é uma parte orgânica da sociedade, mas como tem o problema comercial, isso pesa muito sobre a programação. Há programas que eu absolutamente não vejo e que considero constrangedores. Isso é lamentável, porque a televisão é uma concessão pública e tem um compromisso diante da sociedade, que é uma construção nossa; nós a inventamos e a mantemos, e a cada dia ela vai sendo transformada, conservada ou estragada por nós. Todos temos responsabilidade no que estamos fazendo, e a TV tem um papel fundamental por sua abrangência. Esta consciência não pode se reduzir simplesmente à preocupação de ganhar dinheiro e audiência.

Folha - A que o sr. assiste na TV?
Gullar -
Aos jornais, mas, quando a coisa é chocante demais, eu mudo de canal. Não acho que tenham que ocultar a violência, mas não se pode criar uma imagem aterrorizante da sociedade. Há pessoas que me perguntam "mas você mora no Rio?!"... O que que há, cara? Existe violência no Rio, mas não é essa coisa de botar o pé fora de casa e levar um tiro. Não se pode exagerar, dizer que há um poder de Estado instalado nas favelas, isso é bobagem.

Folha - A TV é inimiga da leitura?
Gullar -
Não. A TV é um instrumento da sociedade contemporânea e não adianta brigar com ela. A TV, muitas vezes é -e deveria ser mais- veículo da leitura. Conheço gente que nunca tinha lido Eça de Queiroz e leu "Os Maias" depois da minissérie da Globo.


"GERAÇÕES" - Quartas, 22h30


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