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CRÍTICA
O expresso Marsalis para Ellingtonlândia
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
E de repente ele já estava lá, caminhando e tocando no palco da Sala São Paulo, enquanto os
14 companheiros iam tomando
seus lugares. O solo peripatético
justificaria a noite: uma seqüência
imprevisível de escalas, notas repetidas, glissandos, crescendos,
decrescendos, pianíssimos roucos, fortíssimos súbitos e trinados
brilhantes no trompete, desfiada
por Wynton Marsalis com exuberância, o que não tem nada a ver
com exibicionismo. O espetáculo
da música, com ele, jamais vira
música de espetáculo.
Pouco a pouco a Lincoln Center
Jazz Orchestra foi entrando no jogo e, quando se viu, já estavam todos embalados em "Big Jim's
Blues", de Mary Lou Williams.
São cinco saxofones, três trombones e quatro trompetes, mais piano, contrabaixo e bateria, tocando
com precisão de filarmônica, mas
ânimo próprio.
Nascida em 1992, a orquestra
combinou o septeto de Marsalis
com antigos membros da orquestra de Duke Ellington (1899-1974),
sua principal referência. E é o
mesmo espírito de "pontualidade
e dignidade" daqueles octogenários colegas, já mortos, que a
LCJO tem ambição de manter, como explicou Marsalis, simpaticamente traduzido pelo pianista
Aaron Goldberg (que acaba de
gravar um disco com a cantora
brasileira Luciana Souza).
O piano rege muita coisa de
dentro, nessa orquestra em que
ninguém precisa de regência.
Econômico, elegante, Goldberg
traduz o piano de Ellington para
um idioma curtido por duas, se
não três outras gerações. Mas o
Duke está lá o tempo todo. Também na orquestra se escuta a presença viva de Count Basie, Louis
Armstrong, Billy Strayhorn e outros, acolhidos com reverência
sincera e natural liberdade.
Os solos trazem à tona as marcas pessoalíssimas de cada um
dos 15 virtuoses. Marsalis fazendo
um espantoso "Cherokee", Victor
Goines (diretor do Julliard Institute for Jazz Studies) nos agudos
do seu clarinete, Wes Anderson
com o mavioso sax alto: nenhum
toca como nenhum; cada um tem
seu som. O milagre está na combinação. Fortíssimos súbitos, que
depois voltam a pianíssimo e vão
crescendo; ou acordes dissonantes sustentados: dois exemplos de
um dos sons mais lindos que há.
No bis, o percussionista Ari Colares deu uma canja. Ouvida depois de uma irresistível seqüência
ferroviária ellingtoniana, em plena estação Júlio Prestes, "Forró
For All" só multiplicou dignidades -palavra que, no caso, também vira sinônimo de alegria.
Avaliação:
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