São Paulo, quarta-feira, 22 de junho de 2005

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CRÍTICA

O expresso Marsalis para Ellingtonlândia

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

E de repente ele já estava lá, caminhando e tocando no palco da Sala São Paulo, enquanto os 14 companheiros iam tomando seus lugares. O solo peripatético justificaria a noite: uma seqüência imprevisível de escalas, notas repetidas, glissandos, crescendos, decrescendos, pianíssimos roucos, fortíssimos súbitos e trinados brilhantes no trompete, desfiada por Wynton Marsalis com exuberância, o que não tem nada a ver com exibicionismo. O espetáculo da música, com ele, jamais vira música de espetáculo.
Pouco a pouco a Lincoln Center Jazz Orchestra foi entrando no jogo e, quando se viu, já estavam todos embalados em "Big Jim's Blues", de Mary Lou Williams. São cinco saxofones, três trombones e quatro trompetes, mais piano, contrabaixo e bateria, tocando com precisão de filarmônica, mas ânimo próprio.
Nascida em 1992, a orquestra combinou o septeto de Marsalis com antigos membros da orquestra de Duke Ellington (1899-1974), sua principal referência. E é o mesmo espírito de "pontualidade e dignidade" daqueles octogenários colegas, já mortos, que a LCJO tem ambição de manter, como explicou Marsalis, simpaticamente traduzido pelo pianista Aaron Goldberg (que acaba de gravar um disco com a cantora brasileira Luciana Souza).
O piano rege muita coisa de dentro, nessa orquestra em que ninguém precisa de regência. Econômico, elegante, Goldberg traduz o piano de Ellington para um idioma curtido por duas, se não três outras gerações. Mas o Duke está lá o tempo todo. Também na orquestra se escuta a presença viva de Count Basie, Louis Armstrong, Billy Strayhorn e outros, acolhidos com reverência sincera e natural liberdade.
Os solos trazem à tona as marcas pessoalíssimas de cada um dos 15 virtuoses. Marsalis fazendo um espantoso "Cherokee", Victor Goines (diretor do Julliard Institute for Jazz Studies) nos agudos do seu clarinete, Wes Anderson com o mavioso sax alto: nenhum toca como nenhum; cada um tem seu som. O milagre está na combinação. Fortíssimos súbitos, que depois voltam a pianíssimo e vão crescendo; ou acordes dissonantes sustentados: dois exemplos de um dos sons mais lindos que há.
No bis, o percussionista Ari Colares deu uma canja. Ouvida depois de uma irresistível seqüência ferroviária ellingtoniana, em plena estação Júlio Prestes, "Forró For All" só multiplicou dignidades -palavra que, no caso, também vira sinônimo de alegria.


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