São Paulo, quinta-feira, 22 de julho de 2004

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Van Gogh quadro a quadro

História em quadrinhos conta, com traços vangoghianos, a "vida" do gênio holandês; autor parte da premissa de que um gato pintou as telas do artista

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

As pinturas atribuídas a Van Gogh não foram feitas por Van Gogh. São de autoria de um gato laranja chamado Vincent, que foi encontrado na rua pelo comerciante de quadros e pintor medíocre Theo van Gogh.
Ahã.
Com essa autêntica premissa do Reino da Baboseira, um pintor iugoslavo radicado na Itália toscana fez em histórias em quadrinho, acredite, um bom livro.
"Vincent & Van Gogh", de Gradimir Smudja, foi publicado no ano passado na França e, desde então, já amealhou uma porção de prêmios em países como Portugal, Turquia, Holanda e até nos unidos, mas fechados, EUA.
Nesta semana, essa peça rara encaixa nas livrarias brasileiras, em lançamento da mesma Jorge Zahar que vem publicando a versão em HQ da catedral literária "Em Busca do Tempo Perdido", de Proust.
Por coincidência, o mesmo Proust faz uma ponta, não creditada, no livro, tomando um chá no canto esquerdo de um quadrinho no meio da página 28. É apenas uma das dezenas de citações que Smudja polvilhou em meio à história do gato Vincent -que é dedicada a Brigitte Bardot, retratada como uma gata.
Apaixonado pela história da arte, e ele mesmo artista plástico com longa carreira em galerias francesas, tascou nos quadrinhos Toulouse-Lautrec, Monet, Degas, Rembrandt e Gauguin (que também não pintava suas telas, na verdade criações de um papagaio chamado Paul).
"O Bordel das Musas", segundo livro de Smudja, segue a mesma receita de HQ e história da arte, misturados no caldeirão do humor e virtuosismo artístico.
A qualidade dos traços -e a capacidade de mimetizar os universos dos grandes pintores do século 19- é o principal trunfo do artista iugoslavo.
"Tenho uma coleção de pinturas "fake" de Van Gogh embaixo da minha cama e no meu banheiro", brincou Smudja em troca de e-mails com a Folha.
O artista diz que demorou só sete meses no trabalho (não nas telas falsas de Van Gogh, mas no livro "Vincent & Van Gogh"), mas que o projeto tem 14 anos.
E por que um gato, e não uma arara, um urso ou um gorila albino, foi o escolhido para personificar Van Gogh? "O jeito de pintar dele era muito agressivo e rápido. Sempre vi suas pinturas como trabalhos de um gato", diz Smudja.
Vincent não é um gato comum. O verdadeiro autor de telas como "Os Girassóis" ou "O Retrato de Doutor Gachet" (presentes no livro, como todos os "hits" goghianos) é um gato "mau". Rouba, fatura "fifis" d'outrem, bebe tudo o que não é sólido (menos leite), mata e cozinha o papagaio de Cézanne, diz ser "filho de Lúcifer".
Smudja justifica o humor "negro" com a seguinte aspa: "É uma forma de recriar a vida real. A vida é tão dura e as pessoas são tão difíceis de serem entendidas. Vincent é mau, dissimulado, sem-vergonha. Ele é o "negativo" de Van Gogh".
O gato malvado, era de se imaginar, foi o responsável por um dos episódios mais famosos da biografia vangoghiana. Foi ele o responsável pelo corte da orelha esquerda do "artista".
Smudja brinca que só não contou mais detalhes sobre o gato Vincent (que ao final do livro aparece batendo na janela de um tal de Pablo Picasso) por medo de perder a sua orelha.
Foi o gato que escreveu o seu livro?
"Não posso falar sobre esse assunto", conclui o artista.


VINCENT & VAN GOGH. Autor: Gradimir Smudja. Tradução: André Telles. Editora: Jorge Zahar. Quanto: R$ 49,50 (72 págs.)


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