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Van Gogh quadro a quadro
História em quadrinhos conta, com traços vangoghianos, a "vida" do gênio holandês; autor parte da premissa de que um gato pintou as telas do artista
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
As pinturas atribuídas a Van
Gogh não foram feitas por Van
Gogh. São de autoria de um gato
laranja chamado Vincent, que foi
encontrado na rua pelo comerciante de quadros e pintor medíocre Theo van Gogh.
Ahã.
Com essa autêntica premissa do
Reino da Baboseira, um pintor iugoslavo radicado na Itália toscana
fez em histórias em quadrinho,
acredite, um bom livro.
"Vincent & Van Gogh", de Gradimir Smudja, foi publicado no
ano passado na França e, desde
então, já amealhou uma porção
de prêmios em países como Portugal, Turquia, Holanda e até nos
unidos, mas fechados, EUA.
Nesta semana, essa peça rara
encaixa nas livrarias brasileiras,
em lançamento da mesma Jorge
Zahar que vem publicando a versão em HQ da catedral literária
"Em Busca do Tempo Perdido",
de Proust.
Por coincidência, o mesmo
Proust faz uma ponta, não creditada, no livro, tomando um chá
no canto esquerdo de um quadrinho no meio da página 28. É apenas uma das dezenas de citações
que Smudja polvilhou em meio à
história do gato Vincent -que é
dedicada a Brigitte Bardot, retratada como uma gata.
Apaixonado pela história da arte, e ele mesmo artista plástico
com longa carreira em galerias
francesas, tascou nos quadrinhos
Toulouse-Lautrec, Monet, Degas,
Rembrandt e Gauguin (que também não pintava suas telas, na
verdade criações de um papagaio
chamado Paul).
"O Bordel das Musas", segundo
livro de Smudja, segue a mesma
receita de HQ e história da arte,
misturados no caldeirão do humor e virtuosismo artístico.
A qualidade dos traços -e a capacidade de mimetizar os universos dos grandes pintores do século 19- é o principal trunfo do artista iugoslavo.
"Tenho uma coleção de pinturas "fake" de Van Gogh embaixo
da minha cama e no meu banheiro", brincou Smudja em troca de
e-mails com a Folha.
O artista diz que demorou só sete meses no trabalho (não nas telas falsas de Van Gogh, mas no livro "Vincent & Van Gogh"), mas
que o projeto tem 14 anos.
E por que um gato, e não uma
arara, um urso ou um gorila albino, foi o escolhido para personificar Van Gogh? "O jeito de pintar
dele era muito agressivo e rápido.
Sempre vi suas pinturas como trabalhos de um gato", diz Smudja.
Vincent não é um gato comum.
O verdadeiro autor de telas como
"Os Girassóis" ou "O Retrato de
Doutor Gachet" (presentes no livro, como todos os "hits" goghianos) é um gato "mau". Rouba, fatura "fifis" d'outrem, bebe tudo o
que não é sólido (menos leite),
mata e cozinha o papagaio de Cézanne, diz ser "filho de Lúcifer".
Smudja justifica o humor "negro" com a seguinte aspa: "É uma
forma de recriar a vida real. A vida
é tão dura e as pessoas são tão difíceis de serem entendidas. Vincent
é mau, dissimulado, sem-vergonha. Ele é o "negativo" de Van
Gogh".
O gato malvado, era de se imaginar, foi o responsável por um dos
episódios mais famosos da biografia vangoghiana. Foi ele o responsável pelo corte da orelha esquerda do "artista".
Smudja brinca que só não contou mais detalhes sobre o gato
Vincent (que ao final do livro aparece batendo na janela de um tal
de Pablo Picasso) por medo de
perder a sua orelha.
Foi o gato que escreveu o seu livro?
"Não posso falar sobre esse assunto", conclui o artista.
VINCENT & VAN GOGH. Autor: Gradimir
Smudja. Tradução: André Telles. Editora:
Jorge Zahar. Quanto: R$ 49,50 (72 págs.)
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