São Paulo, sábado, 22 de julho de 2006

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Crítica/teatro

"Naturalismo experimental" aparece no FIT

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

O público, reunido ao ar livre, vê do outro lado da rua os atores-transeuntes lutando contra uma chuva de sonoplastia. Um motoqueiro de passagem aproveita para acenar, transeunte-ator. Poucos minutos depois, o público verá o resto de peça - "Dilacerado", da Cia Os Dezequilibrados -em uma sala em ruínas da Swift.
Lá, os atores darão depoimentos sobre suas perdas pessoais, procurando equilibrar humor e patético, nem sempre evitando o piegas, mas com simplicidade e honestidade.
O diretor Ivan Sugahara aproveita a contribuição dos seus atores, inclusive projetando ao fundo fotos e filmes caseiros, mas sabe que deve entremear os monólogos com uma marcação estilizada, quase um teatro-dança, que expõe melhor que em palavras o amor e a perda.
Uma geração menosprezada busca, assim, compartilhar suas memórias e, se foi empobrecida pela televisão, é ela que deverá ser reciclada. Sugahara, no entanto, deixa a platéia na função não de um interlocutor, mas de uma testemunha mais ou menos compassiva, como um terapeuta -erro estratégico que é evitado na interatividade de sua montagem seguinte, "Combinado".
O naturalismo de televisão, baseado no espontâneo e no cotidiano, costuma ser julgado como nocivo aos atores, que só no teatro poderiam dar provas de serem criadores. No entanto, décadas dessa modalidade começa a transbordar dos limites do melodrama e da produção industrial.
De fato, o teatro experimental possibilita em seu aqui-agora a interlocução, e esse é o grande trunfo de "A Falta que Nos Move", do grupo carioca Cia. Vértice do Teatro. É como passar, para usar Pirandello como parâmetro, do "Homem com a Flor na Boca" para "Seis Personagens em Busca de um Autor". A diretora Christiane Jatahy tem, como Sugahara, a memória afetiva de seus atores como matéria-prima, mas não apaga a luz da platéia.
Esse novo naturalismo não tem nada de medíocre, nem de fácil. Esse "A Falta que Nos Move" se colocando ao lado do "Ensaio.Hamlet", de Enrique Diaz, também no FIT, é a geração perdida mostrando finalmente a que veio, reciclando com galhardia a mediocridade a que foi exposta.


O crítico SERGIO SALVIA COELHO viajou a convite da organização do FIT Rio Preto

DILACERADOS
  

A FALTA QUE NOS MOVE
    



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