São Paulo, domingo, 22 de julho de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Mônica Bergamo

@ - bergamo@folhasp.com.br

Leonardo Wen/Folha Imagem
Ao telefone com Bethânia: "Nossa Senhora da Purificação te acompanhe", diz Canô à filha, que liga duas vezes por dia


Dona Canô, a mãe de Maria Bethânia, Caetano Veloso, outros seis filhos, nove netos e cinco bisnetos, se prepara para a comemoração de seus cem anos em setembro. Mas tem feito festa todos os meses até a chegada do grande dia

mãe menininha

Ao lado de duas fotografias em que aparece abraçada pelo presidente Lula, e cercada por imagens do candomblé que contrastam com sua fé católica, a matriarca da família Velloso interrompe o café da manhã com o repórter Luiz Francisco, da Folha, para atender a uma ligação. Às 9h do último dia 13, do outro lado da linha, a 9,5 mil km de distância, sua filha mais famosa, Maria Bethânia, pede a bênção. Pergunta se ela dormiu bem, tomou os remédios e diz: "Mãe, as minhas apresentações aqui foram ótimas, a crítica e o público gostaram muito. Estou saindo de Lisboa para a Suíça. Acenda uma vela para mim. Quando chegar lá, volto a te ligar". A pouco mais de dois meses de completar cem anos [seu aniversário é no dia 16 de setembro], dona Canô diz: "A gripe já foi embora. Nossa Senhora da Purificação te acompanhe. Sua vela está sempre acesa".

 

Bethânia liga pelo menos duas vezes por dia para a mãe. "Ela é capaz de gastar todo o dinheiro que tem, mas não passa um dia sem telefonar. É a melhor filha do mundo", diz, embora ressalte que não faz diferença entre os oito filhos, nove netos e cinco bisnetos. O cuidado da cantora com a mãe vão dos telefonemas diários ao carro que vai conduzi-la pela cidade de Santo Amaro, a 71 km de Salvador, onde vive. "Ela quer comprar para mim um carro 4x4 cabine dupla, mas eu não quero. Pedi o modelo que já uso (Zafira). Estou acostumada."
 

O dia de dona Canô Velloso (assim mesmo, com dois eles, diferentemente do filho, Caetano Veloso, cujo nome foi escrito errado pelo escrivão que fez o registro de nascimento) começa às 5h30, quando acorda e prepara o café. Em seguida, assiste à missa de Aparecida do Norte na TV e volta à mesa para o desjejum: café com leite, tapioca e ovos. Dona Canô vive num sobrado azul e branco de dez quartos, duas salas, uma varanda, pátio e quintal, no centro da cidade. Tem cinco empregados, incluindo o motorista. E um dos filhos, em esquema de revezamento, sempre faz companhia à mãe.
 

Às 8h30, começam as visitas. Turistas, estudantes, políticos e pessoas em busca de emprego batem à porta de dona Canô. De bermuda jeans e camisa pólo, Pedro Ribeiro, 23, recorre à matriarca dos Velloso para tentar uma vaga na Penha Papéis e Embalagens, fábrica inaugurada há dez dias em Santo Amaro. "Estou desempregado há 14 meses e só tenho a 6ª série. Será que a senhora não poderia assinar esta carta para mim?", pede. Dona Canô concorda. "Leve também o seu currículo [à empresa]", orienta ela. "Atendo todo mundo, sem distinção. Gosto de ser útil", diz ela, que pede empregos a gerentes de fábricas, estabelecimentos comerciais e políticos.
 

Às 12h, em ponto, dona Canô volta à mesa para almoçar, quase sempre peixe, sopas, feijão de corda, moqueca e legumes. De sobremesa, um doce -que "detesta", mas precisa comer para manter alta a taxa de açúcar no sangue. Ela aponta um quadro que fica perto da mesa, onde aparece aos nove anos. "Viu como eu era bonitinha? Todas aqui já morreram. Só tem eu para contar a história." Depois da refeição, volta para o seu quarto, na entrada da casa. Dona Canô acredita que as pessoas que querem viver muito precisam tirar um cochilo depois do almoço. "É o meu segredo. Fazendo isto, acordo mais disposta para acompanhar as novelas." No quarto dela há um oratório com mais de 120 imagens de santos, fotografias dos filhos em várias fases de suas vidas, imagens do marido, José, com quem foi casada por 53 anos, capas de discos, uma imagem de Nossa Senhora talhada por Bethânia, velas acesas, folhetos de missas, terços e livros de orações. Ela fala do marido: "Ele foi espetacular. Nunca brigamos, batemos ou falamos mal dos nossos filhos. O nosso casamento aconteceu no dia 7 de janeiro de 1931, foi muito lindo". Mostra um disco de ouro na parede, presente de uma gravadora nas bodas de ouro do casal. "No meu tempo, homem era homem, mulher era mulher. Hoje está tudo mudado. Veja aí, o meu filho (Rodrigo) usa brinco. As pessoas se separam, não há aquela união de antigamente, aquele respeito."
 

Caetano está separado há dois anos. "Não quero que ele arrume outra para não ficar nesta pendenga", diz a mãe. "A cabeça do Caetano ainda não assentou para este assunto. Ele é louco! Quem já teve duas mulheres sensacionais [Dedé Gadelha e Paula Lavigne] não pode ficar casando e separando." Dona Canô acompanhou a polêmica em que Luana Piovani chamou Caetano de "banana de pijama" por ele ter negado que tivesse dedicado uma música à atriz. "Ela foi maluca. Meu filho nunca gostou de pijama. Ele pode ter sido banana de outra forma, em outro sentido. Querem acabar com Caetano há 40 anos, mas não conseguem."
 

Ela não gosta que o filho critique Lula. "Já disse para ele: Caetano, você não sabe o que está dizendo. Deixa o Lula terminar o mandato para depois reclamar. Quer saber de uma coisa? Pelo meu gosto, Lula não seria mais o presidente. Se eu pudesse dar conselho a ele, diria: deixe esta porcaria aí. Ah, por falar em políticos, rezo todos os dias pela recuperação do senador Antonio Carlos Magalhães [quando ela foi entrevistada pela coluna, ACM estava internado no Incor]."
 

Mais tarde, a caminho da igreja, ela encontra Luiza Silva, a dona Luizinha, uma ex-colega de escola e sua vizinha -que é mais velha: completará cem anos em agosto, um mês antes de Canô. "Fiquei preocupada porque você não foi à missa no domingo", diz dona Luizinha. As duas se abraçam. "Estava gripada, com febre de quase 40º C." Desde o início do ano, a cidade de Santo Amaro comemora o centenário de dona Canô. Todo dia 16 é dia de festa: já houve Folia de Reis, grito de Carnaval, quadrilha e samba-de-roda. Em setembro, será oferecido café da manhã coletivo na praça da cidade, um almoço para os amigos e missa na catedral. Além, é claro, de um show de Caetano e Bethânia.


Texto Anterior: Horário nobre na TV aberta
Próximo Texto: Preferência nacional
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.