São Paulo, segunda-feira, 22 de agosto de 2005

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CINEMA/ARTIGO

Paul Rusesabagina, homem que inspirou "Hotel Ruanda", reclama da ineficácia da comunidade internacional

Longa mostra fragilidade da ONU diante do genocídio

NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA

O personagem real de "Hotel Ruanda", Paul Rusesabagina, vive hoje na Bélgica, onde dirige uma empresa de táxis. Ele acabara de voltar de Darfur, no Sudão, local de outro genocídio africano, quando o filme estreou na Europa, revelando a epopéia de um homem só, que conseguiu salvar 1.268 pessoas em outro genocídio, o de Ruanda, em 1994. "O que acontece em Darfur, onde dois milhões abandonaram seus lares, é o mesmo que aconteceu em Ruanda", avisou Paul em janeiro, antes do arremedo de acordo com pretensões de suprimir as raízes do massacre. O ex-chefe rebelde, feito vice-presidente sudanês, acaba de morrer num acidente suspeito.
As fugas das tantas "zonas de guerra" na África resultam na criação de campos miseráveis de milhões de refugiados na periferia das cidades. As explosões assassinas em geral se localizam nessa geografia. Por que a comunidade internacional fica presa a questões de semântica, muitas vezes recorrendo a um excessivo legalismo como desculpa para não fazer nada. Paul diz que Ruanda ficou à espera de ajuda de fora, protelação (ou enrolação) mortal, porque se discutia se o massacre era ou não genocídio, segundo leis da ONU. "Nunca mais", foi a promessa depois de serenados os machetes em Ruanda. "E sucede de novo, de novo, de novo", desabafa o ex-gerente do elegante Hotel Mille Collines, em Kigali, capital ruandense.
Diante de outras Ruandas (Congo ex-belga, Darfur etc.) o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, pediu que se acabe com o demônio dos Holocaustos. Mas o papel da ONU em Ruanda, como é mostrado no filme, é dos mais deprimentes. O ator Nick Nolte interpreta o general canadense que comandou as tropas de paz. Seu comportamento, desde que avaliado a partir de princípios e não de poder, talvez tenha sido do tipo de coisa que golpeia a ONU de modo mais danoso do que a decisão de Bush de invadir o Iraque sem autorização do Conselho de Segurança. Ele confidenciou, em conversa com um desesperado Paul, que o Ocidente lavaria as mãos, não estavam em jogo seus interesses, só as vidas de africanos miseráveis.
"Achamos que vocês são sujos, Paul, você é africano, o massacre não será contido", sentenciou, enquanto 1 milhão era trucidado, quem deveria impor a paz. "Nós mantemos a paz, não fazemos a paz", foi o golpe final. Em sua disposição de salvar vidas, Paul teria de virar-se sozinho. Não queria saber de diferenças étnicas. No hotel sob sua gerência se abrigaram tutsis e hutus "moderados". Foi possível fazer contatos com dignatários de primeiro escalão, como o ex-presidente Bill Clinton e o rei da Bélgica. A tragédia circulou em gabinetes importantes, mas isso pouco significou em atenção.
O ator negro Don Cheadle soube expressar o desencanto de Paul Rusesabagina com nações "civilizadas" nas quais ele tanto acreditava. É o que dizem os críticos.


Newton Carlos é jornalista e analista de questões internacionais

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