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CINEMA/ARTIGO
Paul Rusesabagina, homem que inspirou "Hotel Ruanda", reclama da ineficácia da comunidade internacional
Longa mostra fragilidade da ONU diante do genocídio
NEWTON CARLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
O personagem real de "Hotel Ruanda", Paul Rusesabagina, vive hoje na Bélgica, onde
dirige uma empresa de táxis. Ele
acabara de voltar de Darfur, no
Sudão, local de outro genocídio
africano, quando o filme estreou
na Europa, revelando a epopéia
de um homem só, que conseguiu
salvar 1.268 pessoas em outro genocídio, o de Ruanda, em 1994.
"O que acontece em Darfur, onde
dois milhões abandonaram seus
lares, é o mesmo que aconteceu
em Ruanda", avisou Paul em janeiro, antes do arremedo de acordo com pretensões de suprimir as
raízes do massacre. O ex-chefe rebelde, feito vice-presidente sudanês, acaba de morrer num acidente suspeito.
As fugas das tantas "zonas de
guerra" na África resultam na
criação de campos miseráveis de
milhões de refugiados na periferia
das cidades. As explosões assassinas em geral se localizam nessa
geografia. Por que a comunidade
internacional fica presa a questões de semântica, muitas vezes
recorrendo a um excessivo legalismo como desculpa para não fazer nada. Paul diz que Ruanda ficou à espera de ajuda de fora, protelação (ou enrolação) mortal,
porque se discutia se o massacre
era ou não genocídio, segundo
leis da ONU. "Nunca mais", foi a
promessa depois de serenados os
machetes em Ruanda. "E sucede
de novo, de novo, de novo", desabafa o ex-gerente do elegante Hotel Mille Collines, em Kigali, capital ruandense.
Diante de outras Ruandas
(Congo ex-belga, Darfur etc.) o
secretário-geral da ONU, Kofi
Annan, pediu que se acabe com o
demônio dos Holocaustos. Mas o
papel da ONU em Ruanda, como
é mostrado no filme, é dos mais
deprimentes. O ator Nick Nolte
interpreta o general canadense
que comandou as tropas de paz.
Seu comportamento, desde que
avaliado a partir de princípios e
não de poder, talvez tenha sido do
tipo de coisa que golpeia a ONU
de modo mais danoso do que a
decisão de Bush de invadir o Iraque sem autorização do Conselho
de Segurança. Ele confidenciou,
em conversa com um desesperado Paul, que o Ocidente lavaria as
mãos, não estavam em jogo seus
interesses, só as vidas de africanos
miseráveis.
"Achamos que vocês são sujos,
Paul, você é africano, o massacre
não será contido", sentenciou, enquanto 1 milhão era trucidado,
quem deveria impor a paz. "Nós
mantemos a paz, não fazemos a
paz", foi o golpe final. Em sua disposição de salvar vidas, Paul teria
de virar-se sozinho. Não queria
saber de diferenças étnicas. No
hotel sob sua gerência se abrigaram tutsis e hutus "moderados".
Foi possível fazer contatos com
dignatários de primeiro escalão,
como o ex-presidente Bill Clinton
e o rei da Bélgica. A tragédia circulou em gabinetes importantes,
mas isso pouco significou em
atenção.
O ator negro Don Cheadle soube expressar o desencanto de Paul
Rusesabagina com nações "civilizadas" nas quais ele tanto acreditava. É o que dizem os críticos.
Newton Carlos é jornalista e analista de questões internacionais
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