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Salles lança filme com Lula "público"
Extra do DVD de "Entreatos" mostra petista em comícios de 2002 e revela cochilo de Bush ao saudar brasileiro pela vitória
Reverso do registro "privado" do documentário original, com montagem de Eduardo Escorel, "Atos" tem
160 minutos de duração
Divulgação
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Em cenas de "Entreatos", Lula viaja acompanhado de seu vice, José Alencar |
SILVANA ARANTES
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Terminada a atual eleição,
recomeça outra, iniciada quatro anos atrás.
O cineasta João Moreira Salles anuncia para 17 de novembro o lançamento do DVD de
"Entreatos", o já clássico registro dos bastidores da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva
em 2002. Ocorre que outro filme, seu duplo e reverso, acompanhará o documentário.
"Atos", montado por Eduardo Escorel, trará duas horas e
40 minutos do que quase não se
viu neste ano eleitoral de 2006
e que foi deliberadamente deixado de fora da obra de Salles
de 2004: imagens de campanha, comícios e passeatas -no
caso, da candidatura petista.
Entre as poucas seqüências
entre quatro paredes presentes
em "Atos" está uma conversa
de Lula com seu atual colega
norte-americano, George W.
Bush, no dia seguinte à vitória
eleitoral do brasileiro.
O episódio foi narrado por
Salles durante debate organizado pela Folha que se seguiu à
reapresentação de seu filme,
anteontem, em São Paulo.
O cineasta conta que a cena,
preciosa do ponto de vista jornalístico, mas excluída por razões formais do filme original,
mostra o então presidente eleito do Brasil, tradutor e assessores, num hotel em São Paulo,
conversando em viva-voz com
Bush, que fazia a ligação do
avião presidencial norte-americano, o Air Force One.
O inusitado, disse Salles, é
que se percebe a determinada
altura que "Bush dorme durante a conversa" e precisa ser despertado por um assessor. "Ele
tem que ser acordado porque
acha um tédio falar com o Lula", disse Salles à platéia de cerca de 200 pessoas. "Atos" trará
ainda diálogo de Lula com o
premiê britânico Tony Blair, a
quem o petista conta haver
"bebido a noite toda" e diz que
"o Brasil está uma festa".
O filme de Salles deu início
ao ciclo "Folha Documenta
-°Cinema e Política", que até o
dia 28 trará ainda outros três
títulos, sempre no Cine Bombril (av. Paulista, 2.073), às 19h.
"Bolívia - História de uma Crise", de Rachel Boynton, será
apresentado amanhã e depois;
"Intervalo Clandestino", de
Erick Rocha, nos dias 25 e 26.
O ciclo se encerra com o filme de Escorel e José Joffily
"Vocação do Poder", nos dias
27 e 28. Responsável pela montagem de "Atos", Escorel cumpriu a mesma função em "Terra em Transe", a obra de Glauber Rocha de 1967 que, na definição de Caetano Veloso, apresentou ao país "a morte do populismo".
Escolhas
São outros os debates éticos e
políticos que envolvem o filme
de Salles, quase quatro décadas
depois. Após a exibição de "Entreatos" para uma audiência relativamente minguada em
2004 (cerca de 50 mil espectadores), o cineasta foi acusado
pelo prefeito do Rio, Cesar
Maia (PFL), de censurar o próprio filme ao não permitir a sua
reexibição na esteira das acusações de corrupção que o governo Lula passou a enfrentar com
a crise do mensalão.
Salles se justificou anteontem, ao dizer que são escolhas
éticas e políticas que orientaram tanto a forma do filme
quanto as decisões de exibição.
O cineasta disse que, da mesma
forma que evitou exibir o filme
no momento de euforia pós-posse, não quis relançá-lo durante a crise. "Seria uma pura
jogada oportunista", declarou.
Relançar o filme em 2005, ele
disse, seria fazer dele uma espécie de "acidente de beira de
estrada", objeto de uma curiosidade que para o diretor tem
algo de "pornográfica".
A mesma preocupação determinou a forma do documentário, continuou Salles. Ele defendeu preferir se ater à "poeira", à "sobra" e à "migalha" do
que aos grandes atos públicos e
fatos jornalísticos da campanha, que, segundo ele, perderiam seu vigor no filme.
O cineasta fez para a platéia
uma defesa do documentário
como espaço da dúvida em vez
de veículo de uma idéia ou de
possível instrumento para a
transformação da realidade.
Segundo Salles, o documentário se constrói mais na forma
narrativa do que na escolha do
tema a ser tratado, e não basta
descobrir "um quilombo no Espírito Santo em que os habitantes falam aramaico ao contrário" para se ter um bom filme.
Disse que a certeza é perigosa
e, ainda que possa produzir
bons panfletos, nunca levará a
boas obras. "Quando vejo um
filme do Michael Moore [autor
de "Fahrenheit 11 de Setembro'], sinto que estou sendo tão
conduzido que tenho vontade
de usar uma camisa do Bush."
"O filme do Michael Moore
acontece só na tela", em vez de
num diálogo entre o que se passa na película e os espectadores, defendeu o cineasta. "Vocês [a platéia] são o rebanho, os
que devem ser convertidos. Ele
não lhes dá a chance de pensar
com a própria cabeça."
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