São Paulo, sexta-feira, 22 de setembro de 2006

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Salles lança filme com Lula "público"

Extra do DVD de "Entreatos" mostra petista em comícios de 2002 e revela cochilo de Bush ao saudar brasileiro pela vitória

Reverso do registro "privado" do documentário original, com montagem de Eduardo Escorel, "Atos" tem 160 minutos de duração


Divulgação
Em cenas de "Entreatos", Lula viaja acompanhado de seu vice, José Alencar


SILVANA ARANTES
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Terminada a atual eleição, recomeça outra, iniciada quatro anos atrás.
O cineasta João Moreira Salles anuncia para 17 de novembro o lançamento do DVD de "Entreatos", o já clássico registro dos bastidores da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002. Ocorre que outro filme, seu duplo e reverso, acompanhará o documentário.
"Atos", montado por Eduardo Escorel, trará duas horas e 40 minutos do que quase não se viu neste ano eleitoral de 2006 e que foi deliberadamente deixado de fora da obra de Salles de 2004: imagens de campanha, comícios e passeatas -no caso, da candidatura petista.
Entre as poucas seqüências entre quatro paredes presentes em "Atos" está uma conversa de Lula com seu atual colega norte-americano, George W. Bush, no dia seguinte à vitória eleitoral do brasileiro.
O episódio foi narrado por Salles durante debate organizado pela Folha que se seguiu à reapresentação de seu filme, anteontem, em São Paulo.
O cineasta conta que a cena, preciosa do ponto de vista jornalístico, mas excluída por razões formais do filme original, mostra o então presidente eleito do Brasil, tradutor e assessores, num hotel em São Paulo, conversando em viva-voz com Bush, que fazia a ligação do avião presidencial norte-americano, o Air Force One.
O inusitado, disse Salles, é que se percebe a determinada altura que "Bush dorme durante a conversa" e precisa ser despertado por um assessor. "Ele tem que ser acordado porque acha um tédio falar com o Lula", disse Salles à platéia de cerca de 200 pessoas. "Atos" trará ainda diálogo de Lula com o premiê britânico Tony Blair, a quem o petista conta haver "bebido a noite toda" e diz que "o Brasil está uma festa".
O filme de Salles deu início ao ciclo "Folha Documenta -°Cinema e Política", que até o dia 28 trará ainda outros três títulos, sempre no Cine Bombril (av. Paulista, 2.073), às 19h. "Bolívia - História de uma Crise", de Rachel Boynton, será apresentado amanhã e depois; "Intervalo Clandestino", de Erick Rocha, nos dias 25 e 26.
O ciclo se encerra com o filme de Escorel e José Joffily "Vocação do Poder", nos dias 27 e 28. Responsável pela montagem de "Atos", Escorel cumpriu a mesma função em "Terra em Transe", a obra de Glauber Rocha de 1967 que, na definição de Caetano Veloso, apresentou ao país "a morte do populismo".

Escolhas
São outros os debates éticos e políticos que envolvem o filme de Salles, quase quatro décadas depois. Após a exibição de "Entreatos" para uma audiência relativamente minguada em 2004 (cerca de 50 mil espectadores), o cineasta foi acusado pelo prefeito do Rio, Cesar Maia (PFL), de censurar o próprio filme ao não permitir a sua reexibição na esteira das acusações de corrupção que o governo Lula passou a enfrentar com a crise do mensalão.
Salles se justificou anteontem, ao dizer que são escolhas éticas e políticas que orientaram tanto a forma do filme quanto as decisões de exibição. O cineasta disse que, da mesma forma que evitou exibir o filme no momento de euforia pós-posse, não quis relançá-lo durante a crise. "Seria uma pura jogada oportunista", declarou.
Relançar o filme em 2005, ele disse, seria fazer dele uma espécie de "acidente de beira de estrada", objeto de uma curiosidade que para o diretor tem algo de "pornográfica".
A mesma preocupação determinou a forma do documentário, continuou Salles. Ele defendeu preferir se ater à "poeira", à "sobra" e à "migalha" do que aos grandes atos públicos e fatos jornalísticos da campanha, que, segundo ele, perderiam seu vigor no filme.
O cineasta fez para a platéia uma defesa do documentário como espaço da dúvida em vez de veículo de uma idéia ou de possível instrumento para a transformação da realidade.
Segundo Salles, o documentário se constrói mais na forma narrativa do que na escolha do tema a ser tratado, e não basta descobrir "um quilombo no Espírito Santo em que os habitantes falam aramaico ao contrário" para se ter um bom filme.
Disse que a certeza é perigosa e, ainda que possa produzir bons panfletos, nunca levará a boas obras. "Quando vejo um filme do Michael Moore [autor de "Fahrenheit 11 de Setembro'], sinto que estou sendo tão conduzido que tenho vontade de usar uma camisa do Bush."
"O filme do Michael Moore acontece só na tela", em vez de num diálogo entre o que se passa na película e os espectadores, defendeu o cineasta. "Vocês [a platéia] são o rebanho, os que devem ser convertidos. Ele não lhes dá a chance de pensar com a própria cabeça."


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