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Crítica/ artes plásticas
Alberto Martins faz escritos pictóricos
NOEMI JAFFE
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Os primeiros escritos eram
gravuras. Gravavam-se as palavras com um cravo numa pedra. Daí, certamente, a semelhança sonora entre as palavras, todas derivadas da mesma
origem: gravar, grafar, cravar.
O próprio som das consoantes designa o gesto de perfuração, essencial à consecução
dessas práticas. Como é necessário penetrar a pedra, a madeira, o metal, para poder executar
uma gravura, como a figura ou
imagem se cria não só de fora
para dentro, mas como que de
dentro para fora, a partir de
uma espécie de sangramento
do material perfurado, a gravura, além da própria escrita,
também guarda reminiscências com a poesia: palavras opacas, como se tivessem perspectiva e tridimensionalidade.
As gravuras de Alberto Martins, expostas na Estação Pinacoteca, dentro da exposição
"Em Trânsito", são escritos pictóricos de um gravurista que é
também um escritor.
Imagens gravadas de navios,
cais, caixas, guindastes, todas
elas carregadas de um peso,
uma sujeira e densidade que
não se esgotam nas formas expostas, mas que remetem à força do gesto incisivo da gravação
e à massa de sentidos e sensações contidas no universo marítimo e portuário.
É o sentido do tempo, da memória, da passagem e, principalmente, como diz Guilherme
Wisnik no belíssimo texto do
catálogo da exposição, a sensação de iminência. Um navio está prestes a chegar; caixas estão
quase desabando; uma caixa
quase toca o chão; a forma é
quase figurativa ou a figura é
quase forma. Estamos entre a
gravura e a poesia, num espaço
que lembra muito alguns trechos do último livro de Alberto
Martins, "A História dos Ossos" (editora 34): "Desde então
os homens passaram a guardar
suas palavras nas pedras (...)
Desde que o som se tornou pedra brotaram os hieróglifos, cunharam-se as moedas. (...) As
palavras não passam de cascas
de coisas que eram que foram
que vieram se esfarelando na
ladeira das eras até tornarem-se o que são -esta fala: gargarejo, cacareco."
Os restos, pedaços, cascas de
coisas que Martins expõe em
suas gravuras, são como os restos de sentidos que nos sobram,
metonímias de um mundo em
trânsito. Mas deve ser a partir
da colagem desses restos que
nós poderemos cunhar, quem
sabe, uma nova linguagem.
EM TRÂNSITO
Quando: ter. a dom., das 10h às 18h
Onde: Estação Pinacoteca (lgo. Gen.
Osório, 66, tel. 0/xx/11/3337-0185)
Quanto: R$ 4 e grátis aos sábados
Avaliação: ótimo
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