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Crítica/romance
"Os Insones" vai além do suspense ao expor a violência
Tony Bellotto vê a classe média e a juventude "perdida" em meio ao caos urbano
JOAQUIM NOGUEIRA
ESPECIAL PARA A FOLHA
O que primeiro chama a
atenção no último livro de Tony Bellotto é
a maneira sutil e convincente
com a qual ele estabelece o suspense: Samora, o personagem
principal, observando um garoto negro subir o morro levando
na cintura uma pistola Luger.
Entretanto, "Os Insones"
não é um romance de suspense,
em termos estritos, livro em
que há na primeira página um
mistério (geralmente representado por um cadáver) que
vai ocupar o cérebro de um cara
mais ou menos inteligente,
mais ou menos "smart" (um
Remo Belllini da vida), que mata a charada na última página.
"Os Insones" é mais que isso.
Muito mais. É um livro que fala
de uma certa juventude desmiolada e perdida, uma classe
média em busca das trilhas verdadeiras, uma burguesia iludida com seus velhos e falsos
valores. Cabe encaixar uma
força de segurança sem força
nenhuma, dado o envelhecimento do aparelho de Estado,
e cabe encaixar, principalmente, a violência.
A violência é o grande personagem do livro. Ela está presente em todas as páginas, da
primeira à última. Porque faz
parte das ruas, dos lares, dos
morros. Mara Maluca, chefe de
quadrilha, analfabeta, débil
mental e lésbica, é a violência
em seu estado mais brutal e insano. Há outros bandidos. Muitos outros. Cara de Rato, Pelinha, Pena, Vaca. Seria inútil
nomear todos: são iguais, não
respeitam o ser humano, não
cumprem a lei, exceto a lei deles mesmos.
No meio dessa bagunça generalizada, desse caos monumental, surgem os insones. Quem
são eles? De acordo com a epígrafe do romance, são os que
acordam e caminham à noite
para alcançar a liberdade.
É o caso de Samora, o burguês que abandonou tudo para
se entregar à luta armada, e
também o caso de Chayene,
que escapa da favela pelas portas do teatro. Aqueles que vigiam, acrescentaria eu, e que se
vigiam, os que lutam, de uma
forma ou outra, com armas ou
sem, para mudar o mundo,
acabar com o ódio, a opres-
são, a miséria e a injustiça social, os verdadeiros pais da violência exposta nessas páginas
candentes.
Cyberbirosca
"Os Insones" apresenta uma
linguagem moderna, corajosa e
dinâmica, tem achados interessantíssimos -Gláucia Corcovado, escritora, com seu olho de
vidro (para enxergar melhor?)
ganha o pão cotidiano em uma
"cyberbirosca".
O autor mistura, a meu ver de
propósito, palavras e expressões de uso família (vagina, fazer amor), com termos baixaria
(boc., fod., chp.), mistura que
lhe dá mais eficiência no passar
sua mensagem. Frases rápidas,
cortantes, muitas do tipo nominal, parágrafos curtos e duros
como balas.
Vi dois pontos baixos no romance. Certos esquemas de
suspense (o personagem está
distraído, no bem bom, pensando na vida, ergue a cabeça e depara com um estranho olhando-o intensamente; gente de
comportamento esquisito erra
por capítulos inteiros sem que
o leitor lhes saiba o nome).
E algumas passagens piegas,
como é o caso do diálogo, felizmente curto, entre Maria e seu
filho Samora.
Essas concessões não chegam a estragar a leitura. Apenas
empobrecem, eu acho.
JOAQUIM NOGUEIRA é escritor, autor de "Informações sobre a Vítima" e "Vida Pregressa",
ambos publicados pela Companhia das Letras.
OS INSONES
Autor: Tony Bellotto
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 39 (240 págs.)
Avaliação: bom
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