São Paulo, segunda-feira, 22 de setembro de 2008

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Portenhos em cena

Espetáculos do circuito de Buenos Aires são grande destaque do festival de teatro de Porto Alegre, que termina hoje

Divulgação
Cena da peça "Antes", em que três adultos encarnam figuras de um romance

LUCAS NEVES
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE

A 15ª edição do festival Porto Alegre em Cena, que termina hoje, ostentou "grifes" como Peter Brook, José Celso Martinez Corrêa e Eimuntas Nekrosius (conceituado diretor lituano). Quem deixa a capital gaúcha como destaque, porém, é a delegação argentina, mais precisamente a portenha (natural de Buenos Aires), que trouxe quatro peças de alto nível.
Tendo como ponto de interseção a mirada sensível sobre as relações humanas, "Antes", "La Noche Canta sus Canciones" (a noite canta suas canções), "Algo de Ruído Hace" (faz algum ruído) e "Guardavidas" (salva-vidas) sugerem que a "buena onda" que embalou o cinema argentino na última virada de década -com produção febril e ótima recepção da crítica- encontrou agora um paralelo nos palcos. Não há previsão de temporada de nenhuma das peças no Brasil.
A autora e diretora de "Algo...", Romina Paula, entretanto, diz que é o teatro que alimenta o cinema. "Os cineastas estão descobrindo os atores de teatro e chamando-os para trabalhar. O problema é que, às vezes, não sabem dirigi-los."
Para Roman Podolsky, que dirige e co-assina a dramaturgia de "Guardavidas", o bom momento é fruto da pluralidade de vertentes da cena portenha. "Antes, havia três ou quatro escolas a ditar os códigos de atuação. Hoje, cada um busca sua própria linguagem, não mais se observam ideais estéticos que organizem a produção. Há núcleos que coexistem."
E são muitos, a julgar pelo total de peças com sessões no último sábado, na capital argentina: 265, segundo a agenda online Alternativa Teatral -contra 87 em cartaz em SP no mesmo dia, conforme o Guia da Folha.

Força da ala independente
O "boom" produtivo, sobretudo do que se chama lá de teatro independente (não mantido pelo Estado, como o oficial, nem bancado por patrocinadores privados, como o comercial), ocorreu nos últimos dez anos, dizem atores e diretores.
Determinante na mudança de patamar foi a criação, em 97, do Instituto Nacional do Teatro, que, em uma de suas frentes de atuação, outorga subsídios a salas e companhias -também apoiadas pela prefeitura de Buenos Aires.
Mas ainda restam nós a desatar. "Talvez agora haja menos burocracia [para conseguir verba]. Persistem dificuldades, entretanto. Quando se vê as produções européias [ele está em turnê pela França], é impossível não se sentir sozinho, descuidado", compara Daniel Veronese ("La Noche..."), festejado encenador portenho.
"Não se vive de um trabalho no circuito independente. É preciso fazer teatro oficial, publicidade, TV ou cinema", completa Diego Gentile, que atua em "La Noche" e "Antes".
A delicadeza que perpassa as peças do país vizinho roça na melancolia. "Ser argentino é conviver com ela. Brasil e Argentina deveriam ser um só país, para que nós os tivéssemos contagiado com a melancolia, e vocês, com sua alegria. Seríamos imbatíveis no futebol. Eu, de meu lado, tento achar o humor escondido por trás da tristeza", diz Veronese.
"Isto é bem portenho: distanciar-se do horror com algumas risadas", sintetiza Pablo Messiez, ator em "La Noche...", autor e diretor em "Antes".


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