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MÚSICA IRA!
Isso é amor, só. E quem precisa de mais?
da Reportagem Local
É coisa rara a coexistência, no
mesmo espaço, de integridade,
senso ético, talento, competência,
fúria. O Ira! sempre primou pelo
privilégio; agora, sob permissão,
resolveu atirar isso no rosto de
quem puder (ou quiser) ouvir.
"Isso É Amor" é, quase todo, um
manifesto (além de um lancinante disco de amor). Até há fissuras,
mas elas são acomodáveis.
"Sentado à Beira do Caminho"
(afinal a menos feliz das versões)
traz ao projeto ético o mais acomodado de todos os artistas brasileiros, Roberto Carlos, mas,
mais que dele, é do parceiro Erasmo Carlos, em sua própria carreira solo um primor de fidelidade à
música e a si próprio.
Chico Buarque, também, é da
nata do mainstream. Mas "Jorge
Maravilha" -em releitura sensacional, do mais rasgado rock-samba (e não samba-rock)- se
safa por aquela aura de resistência, do artista que por volta de
1974 tinha de se esconder sob
pseudônimo para escapar à truculência do regime, e o fazia ironizando o presidente general e
sua filha ("você não gosta de
mim, mas sua filha gosta").
Legião Urbana -revista em
"Teorema", simpática e só-, enfim, pecou, e não pouco, pelo
messianismo. Mas, OK, Renato
Russo teve lá sua missão no campo sexual e blablablá...
De resto? É tudo nobre de doer.
Com habilidade inaudita de driblar chavões, o Ira! fez um disco
que não terá o selo mórbido dos
"malditos" -mais que de "malditos", é um apanhado de músicas de gente importante, talentosa, que não se segurou no esquema podre porque não se adaptou.
Ritchie é, aí, a grande figura. Refazer "A Vida Tem Dessas Coisas"
-e a releitura é pior que o original!, que fofo- é um comovente
grito de coragem. Era mais que
hora de a seriedade de Ritchie ser
reconhecida, afinal aconteceu.
Mais ou menos isso pode ser dito, em terreno estritamente musical, de quase todo mundo -Tim
Maia, Erasmo Carlos, Lobão, Júlio Barroso, Lô Borges, Wander
Wildner, o próprio Ira!, Edgard
Scandurra solo.
Num nível que poderia parecer
caricatural, o mesmo acontece
com Dalto e Ronnie Von. Em
"Flashback", do primeiro, ouve-se de Nasi: "Eu mereço ganhar o
Prêmio Nobel da Paz". Gênio.
Lá no final, na avassaladora
"Minha Gente Amiga", Santana
solto no gramado, portam a voz
de Ronnie Von: "Sou um homem,
um homem comum/ Atrás do dinheiro, atrás do amor". Não é isso
que todo mundo quer? Gênio.
Talvez falte falar do Ira!, do Ira!.
Dos conflitos divertidos entre
seus membros e da tensão/polarização criativa entre duas das figuras-chave do rock nacional -Nasi e Edgard Scandurra- é que toda a química se faz.
Nasi volta altivo, autêntico líder
de banda, embora sua voz -é
praxe, em sua geração- esteja
mais maltratada, precisando ser
polida de novo.
A guitarra de Edgard, por sua
vez, estraçalha, criva de delícia especialmente "Um Girassol da Cor
do Seu Cabelo" (bem dividida
com Samuel Rosa), de Lô e Márcio Borges, "O Que Me Importa",
de Cury, que Tim Maia lançou em
seu terceiro disco, de 72, e a catártica alienígena "Alegria de Viver"
(a única que ele canta, com simplicidade).
Algo mais? Ah, sim. "Telefone",
da Gang 90, sombria, declamada,
com Fernanda Takai choramingando "oh, meu amor, isso é
amor", é tudo, é daquelas coisas
inacreditáveis que uma boa banda consegue atingir uma vez a cada 76 anos. Falando simples e diretamente? Isso é amor, só. Quem
precisa de mais?
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Avaliação:
Disco: Isso É Amor
Grupo: Ira!
Lançamento: Deckdisc/Abril Music
Quanto: R$ 18, em média
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