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MÚSICA ERUDITA/CRÍTICA
Sem palavras, Accardo
define o que é o violino
ARTHUR NESTROVSKI
da Equipe de Articulistas
Violino: "instrumento feito
de madeira e dotado de quatro
cordas que se ferem com um
arco, apoiando a base da ilharga do instrumento na clavícula
esquerda".
A definição descreve, mas
não define o que é um violino.
Talvez só um poeta como Rilke, ou um filósofo como Heidegger pudessem definir com
palavras o violino.
Sem palavras, ninguém melhor do que o violinista Salvatore Accardo para definir o que é
e o que pode esse instrumento,
como se ouviu em seu concerto
com a Orquestra de Câmara
Italiana, anteontem no Teatro
Alfa.
Solista de brilho
Accardo é o criador, regente e
solista da Orquestra, que reúne
alunos e ex-alunos da Academia de Cremona, também fundada por ele.
Assume agora mais o papel
de regente do que qualquer outro, o que é uma pena: sua regência é musicalmente clara,
mas não tem os fogos e o brilho
do solista. Além de clara, a direção é formativa para esses músicos.
A Orquestra tem o som de
trinta Accardos, que é o que define, mais que descreve, o conjunto.
Era o poeta Baudelaire quem
falava da moda como um casamento fugaz entre a arte e os
tempos.
A Orquestra de Câmara Italiana é composta por músicos
jovens, mas tem som de LP,
não de CD: mais precisamente,
dos LPs de I Musici e do próprio Accardo, que há 25 anos
eram uma norma e ideal.
A Orquestra soa então curiosamente anacrônica: preserva
um estilo, que já se descolou do
tempo, e dá uma outra face,
agora desusada, para essa música tão conhecida.
É um modo direto, de som
cheio e vibrato expressivo, mas
com relativamente pouca
nuance, e muita pressão rítmica.
Funciona melhor na "Serenata para Cordas" de Tchaikovski
(1840-93) do que na "Chacona"
barroca de Tomaso Vitali
(1663-1745). E melhor em Paganini (1782-1840) do que no
adolescente Rossini (1792-1868) da "Sonata em dó
maior".
Accardo tem renome mundial como intérprete de Paganini, e sua interpretação das "Variações sobre "O Carnaval de
Veneza'" deixou a platéia mesmerizada com o espetáculo dos
dedos. Não seria justo dizer
que esse música é fácil demais
para ele; mas algo disso tem
parte no resultado.
Os diabolismos de Paganini
são um cenário: a dificuldade
tem de ser vivida e exibida pelo
solista. Accardo toca tudo com
muita elegância e brio. Falta dificuldade! -falta perder um
pouco da música, o que para
um virtuose desses fica mesmo
fora de questão.
Era um programa acessível,
tocado de forma acessível, e
sem concessões. Um concerto
bonito, sem maiores exaltações.
Que o interesse musicológico
- a preservação de um estilo
recente- se sobreponha ao
impacto musical é coisa para
especialistas e não diminui o
prazer da platéia, neste concerto generoso, que foi também
ocasião para escutar (pena que
tão pouco) um dos maiores
violinistas do nosso tempo.
Avaliação:
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