São Paulo, Sexta-feira, 22 de Outubro de 1999
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MÚSICA ERUDITA/CRÍTICA
Sem palavras, Accardo define o que é o violino

ARTHUR NESTROVSKI
da Equipe de Articulistas

Violino: "instrumento feito de madeira e dotado de quatro cordas que se ferem com um arco, apoiando a base da ilharga do instrumento na clavícula esquerda".
A definição descreve, mas não define o que é um violino. Talvez só um poeta como Rilke, ou um filósofo como Heidegger pudessem definir com palavras o violino.
Sem palavras, ninguém melhor do que o violinista Salvatore Accardo para definir o que é e o que pode esse instrumento, como se ouviu em seu concerto com a Orquestra de Câmara Italiana, anteontem no Teatro Alfa.
Solista de brilho
Accardo é o criador, regente e solista da Orquestra, que reúne alunos e ex-alunos da Academia de Cremona, também fundada por ele.
Assume agora mais o papel de regente do que qualquer outro, o que é uma pena: sua regência é musicalmente clara, mas não tem os fogos e o brilho do solista. Além de clara, a direção é formativa para esses músicos.
A Orquestra tem o som de trinta Accardos, que é o que define, mais que descreve, o conjunto.
Era o poeta Baudelaire quem falava da moda como um casamento fugaz entre a arte e os tempos.
A Orquestra de Câmara Italiana é composta por músicos jovens, mas tem som de LP, não de CD: mais precisamente, dos LPs de I Musici e do próprio Accardo, que há 25 anos eram uma norma e ideal.
A Orquestra soa então curiosamente anacrônica: preserva um estilo, que já se descolou do tempo, e dá uma outra face, agora desusada, para essa música tão conhecida.
É um modo direto, de som cheio e vibrato expressivo, mas com relativamente pouca nuance, e muita pressão rítmica.
Funciona melhor na "Serenata para Cordas" de Tchaikovski (1840-93) do que na "Chacona" barroca de Tomaso Vitali (1663-1745). E melhor em Paganini (1782-1840) do que no adolescente Rossini (1792-1868) da "Sonata em dó maior".
Accardo tem renome mundial como intérprete de Paganini, e sua interpretação das "Variações sobre "O Carnaval de Veneza'" deixou a platéia mesmerizada com o espetáculo dos dedos. Não seria justo dizer que esse música é fácil demais para ele; mas algo disso tem parte no resultado.
Os diabolismos de Paganini são um cenário: a dificuldade tem de ser vivida e exibida pelo solista. Accardo toca tudo com muita elegância e brio. Falta dificuldade! -falta perder um pouco da música, o que para um virtuose desses fica mesmo fora de questão.
Era um programa acessível, tocado de forma acessível, e sem concessões. Um concerto bonito, sem maiores exaltações.
Que o interesse musicológico - a preservação de um estilo recente- se sobreponha ao impacto musical é coisa para especialistas e não diminui o prazer da platéia, neste concerto generoso, que foi também ocasião para escutar (pena que tão pouco) um dos maiores violinistas do nosso tempo.


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