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CRÍTICA
Michel Favre reapropria-se da obra
CARLOS ADRIANO
especial para a Folha
Uma das balizas do filme "Geraldo de Barros: Sobras em
Obras" é a imagem do auto-retrato do artista apontando a câmera
para si mesmo e o espectador, espelhando a reflexão ambígua entre o "eu" e o "outro".
Sua última série fotográfica
("Sobras", de que faz parte o auto-retrato) é o "obturador" do documentário de Michel Favre.
Com o conceito e a materialidade da série, o filme dispara seu
discurso e focaliza o tempo de sua
revelação.
O projeto previa o diálogo entre
o artista e o diretor. Com a morte
de Geraldo, a condição de abandono traz a noção de memória, e
orienta a interrogação do olhar.
O filme reapropria-se da obra e
depoimentos como os das artistas
Lenora e Fabiana de Barros, do
pintor H. Fiaminghi e do poeta
Augusto de Campos.
Imagens e sons traçam o itinerário de invenção e vigor do fotógrafo, pintor e designer que se
deixou varar por variado arsenal
artístico afinado à história, dissolvendo a marca pessoal no mercado social, rasgos de um Brasil promissor e abortado.
Documentário em primeira
pessoa (o diretor é narrador e assume os afetos), firma o ponto de
vista íntimo mas socializa a subjetividade individual.
Artesão da indústria, Geraldo
fez a aclimatação tropical da utopia utilitária da Bauhaus em objetos de mobília.
O filme expõe a estirpe operária
de sua arte, cujo emblema é a Unilabor (comuna parida numa capela).
Exala e exalta a ética generosa
de poetas e pintores o que não é
pouco nesta época nefasta de farsa, oportunismo e mesquinhez.
Entre a análise do legado inestimável e o tributo à obra seminal, o
filme usa em contraponto o recorte, a sobreposição e a colagem,
procedimentos da "lucidez lúdica" de Barros.
Através das imagens cortadas
de Geraldo vazam as imagens filmadas de Favre. Através de vazios
na fotografia imóvel (P&B e sépia) projeta-se o movimento
(cor).
Outro achado é o poema "Geraldo" de Augusto de Campos em
linha de montagem geométrica
com o quadro-matriz da série
"Jogo de Dados".
De fotoformas a fotossobras, o
filme celebra a montagem (colagem inteligente, no jargão cinematográfico) dos recortes e contrastes de uma arte/vida que fez
da resistência corajosa e da passagem provisória a permanência
concreta de sua invenção.
Avaliação:
Filme: Sobras em Obras
Direção: Michel Favre
Produção: Suíça/Brasil, 1998, 74 min
Onde: hoje, às 21h15, no Cinesesc
Outras exibições na mostra: amanhã e
domingo
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