São Paulo, Sexta-feira, 22 de Outubro de 1999
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CRÍTICA
Michel Favre reapropria-se da obra

CARLOS ADRIANO
especial para a Folha

Uma das balizas do filme "Geraldo de Barros: Sobras em Obras" é a imagem do auto-retrato do artista apontando a câmera para si mesmo e o espectador, espelhando a reflexão ambígua entre o "eu" e o "outro".
Sua última série fotográfica ("Sobras", de que faz parte o auto-retrato) é o "obturador" do documentário de Michel Favre.
Com o conceito e a materialidade da série, o filme dispara seu discurso e focaliza o tempo de sua revelação.
O projeto previa o diálogo entre o artista e o diretor. Com a morte de Geraldo, a condição de abandono traz a noção de memória, e orienta a interrogação do olhar.
O filme reapropria-se da obra e depoimentos como os das artistas Lenora e Fabiana de Barros, do pintor H. Fiaminghi e do poeta Augusto de Campos.
Imagens e sons traçam o itinerário de invenção e vigor do fotógrafo, pintor e designer que se deixou varar por variado arsenal artístico afinado à história, dissolvendo a marca pessoal no mercado social, rasgos de um Brasil promissor e abortado.
Documentário em primeira pessoa (o diretor é narrador e assume os afetos), firma o ponto de vista íntimo mas socializa a subjetividade individual.
Artesão da indústria, Geraldo fez a aclimatação tropical da utopia utilitária da Bauhaus em objetos de mobília.
O filme expõe a estirpe operária de sua arte, cujo emblema é a Unilabor (comuna parida numa capela).
Exala e exalta a ética generosa de poetas e pintores o que não é pouco nesta época nefasta de farsa, oportunismo e mesquinhez.
Entre a análise do legado inestimável e o tributo à obra seminal, o filme usa em contraponto o recorte, a sobreposição e a colagem, procedimentos da "lucidez lúdica" de Barros.
Através das imagens cortadas de Geraldo vazam as imagens filmadas de Favre. Através de vazios na fotografia imóvel (P&B e sépia) projeta-se o movimento (cor).
Outro achado é o poema "Geraldo" de Augusto de Campos em linha de montagem geométrica com o quadro-matriz da série "Jogo de Dados".
De fotoformas a fotossobras, o filme celebra a montagem (colagem inteligente, no jargão cinematográfico) dos recortes e contrastes de uma arte/vida que fez da resistência corajosa e da passagem provisória a permanência concreta de sua invenção.


Avaliação:    

Filme: Sobras em Obras Direção: Michel Favre Produção: Suíça/Brasil, 1998, 74 min Onde: hoje, às 21h15, no Cinesesc Outras exibições na mostra: amanhã e domingo


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