São Paulo, Sexta-feira, 22 de Outubro de 1999
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CINE ÍRIS
Espaço vira salão de festas no fim-de-semana
Cinema pornô resiste bravamente

CRISTINA GRILLO
da Sucursal do Rio

Outubro de 1909. Mulheres com vestidos de gala, jóias e chapéus chegam acompanhadas por homens de fraque e cartola para assistir a uma sessão de "Lili Borboleta". A fita havia sido "expressamente confeccionada para esta casa e interpretada por distintos amadores", como dizia o texto do convite para a inauguração do Cinema Theatro Íris, na rua da Carioca, centro do Rio.
Outubro de 1999. Os 90 anos do cinema serão comemorados amanhã com mais uma festa Loud! -a mais badalada entre os "modernos" cariocas, que costuma reunir perto de mil pessoas a cada edições.
Mas a festa só começa a ser montada depois que o último fiel frequentador das sessões de filmes pornôs, exibidas incessantemente a partir das 10h, sair do cinema -o que, aos sábados, acontece às 20h.
"Não me interessa mudar o estilo do cinema. Tenho público fiel para as sessões. Deixo o pessoal fazer as festas quando o cinema não está funcionando", diz Roberto Cruz, 45, diretor do Íris e bisneto do fundador da sala, João Cruz Júnior.
O Íris é um dos raros cinemas pornôs sobreviventes no Rio. Seus frequentadores são homens de classe média baixa que circulam pelo centro da cidade, homossexuais e algumas poucas garotas de programa.
Muitos dos cinemas pornôs da cidade foram comprados por igrejas evangélicas e viraram templos. O Íris resistiu por empenho da família Cruz.
"Já tivemos propostas de alguns bispos, mas a família quer continuar com o negócio. Tivemos que partir para o pornô nos anos 80, para acompanhar os outros cinemas da área. Agora ficamos quase sozinhos e não queremos perder o público", diz uma das netas do fundador, Nylza Cruz de Rezende, 71.
O aluguel do espaço para "festas modernas", como diz Nylza, foi a opção encontrada pela família para continuar preservando o cinema. "É bom para o Íris ter essa mudança de público, interessado na preservação do espaço. Além disso, são mais recursos para a manutenção do cinema", diz Roberto Cruz.
A frequência diária média é de 500 pessoas, que pagam R$ 4 para assistir a sessões duplas de filmes e shows de striptease, às 15h e às 18h. Para as festas, que começaram a acontecer do início do ano, Cruz aluga o cinema.
O reforço no caixa será usado para as obras de reforma do prédio. O Íris é um dos melhores exemplos de arquitetura art nouveau no Rio, mas suas paredes estão sujas, os espelhos de cristal precisam ser recuperados, e as ferragens das escadarias pedem um polimento.
Nylza conta que o avô, um milionário filho de portugueses, decidiu fazer no Rio "o mais belo cinematógrafo" do país. Trouxe azulejos em alto-revelo de Portugal, escadarias, grades e outras ferragens da França, usou madeiras nobres como peroba e canela nos revestimentos internos e contratou Paulo de Frontin, um dos mais famosos engenheiros da época, para cuidar da construção.
"Nosso cinema não foi o primeiro do Rio, mas sem dúvida foi o mais luxuoso da época e o primeiro a exibir filmes falados, no final dos anos 20", diz a neta do fundador.
Na década seguinte, o empresário Francisco Serrador começou a construção na vizinhança do que ficou conhecido como Cinelândia -vários cinemas gigantescos e modernos, que acabaram roubando boa parte do público do Íris.
O prédio do Íris foi tombado pelo Patrimônio Histórico em 1983. Desde então, não pode sofrer modificações.
Roberto Cruz está fazendo um levantamento das cores originais do cinema e procurando especialistas para reparar os azulejos portugueses -alguns rachados-, as escadarias francesas e toda a estrutura do prédio.
A família vai cuidar da obra sozinha. "Estamos fazendo o orçamento e vamos bancar tudo, como sempre. Todo mundo fala que isto aqui é lindo, mas só nós cuidamos. Sempre foi assim", afirma Roberto Cruz.
O bisneto do fundador nem pensa em recorrer a empresas que, por meio de leis de benefício cultural, como a Rouanet, poderiam ajudar na reforma do Íris. "Prefiro fazer sozinho. Depois vão querer mudar nosso cinema, transformar em centro cultural, e isso nós não queremos", diz.


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