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"MAR ABERTO"
Kentis fisga pela angústia
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Em "Mar Aberto", existe, para
começar, um casal de yuppies
que, não sem muito esforço, consegue tirar férias. Necessárias férias. O estresse é tão grande que
no primeiro dia Susan nem quer
transar com Daniel, seu marido.
Estamos no começo do filme e,
apesar de deficiências de uma
produção barata gravada em DV,
percebe-se um estranho constrangimento no par, como se a intimidade possível entre eles fosse,
antes de mais nada, convencional.
Essa impressão será esquecida,
tanto pelo espectador como pelo
filme, depois que o casal inicia sua
temporada de mergulho em alto-mar. Ou antes: ambos são esquecidos no mar pela companhia que
organiza os mergulhos.
A maior parte do filme consiste,
assim, em dois seres abandonados, cercados de água, à espera de
que alguém venha resgatá-los.
A primeira coisa a dizer sobre
esse momento -o principal, em
todos os aspectos- do filme é
que seu diretor-roteirista-fotógrafo-montador, Chris Kentis,
demonstra habilidade para conduzir o seu "thriller" nessa situação inóspita e, ainda assim, interessar o espectador. Conta, para
tanto, com poucos elementos: risco de tubarões, esperança de chegar a salvação, diálogos do casal.
De modo geral, o interesse é
preservado, embora Kentis não
estabeleça propriamente um crescendo de angústia e tensão. Desde
que se vêem abandonados, somos
transportados para a situação de
angústia em torno da qual gravita
o filme inteiro.
Terminado o espetáculo, porém, o espectador pode ser tomado por uma sensação de vazio. Ao
contrário de pequenos filmes de
sucesso (como o "Encurralado",
de Steven Spielberg) ou grandes
(os de Alfred Hitchcock, por
exemplo), tem-se a sensação de
que o achado (colocar dois seres
humanos perdidos no mar) trabalha muito mais a favor do filme
do que o desenvolvimento de
idéias sólidas.
Isso poderá ficar mais claro depois de alguns filmes (Kentis está
em seu segundo). Por ora, não é
dizer pouco que "Mar Aberto"
consegue criar uma boa atmosfera e deixar o espectador em suspense sem apelar para truques
baixos. O final, silencioso, grave,
contido, rima, estranhamente,
com o início, quando esse casal
tenso parece se passar de intimidade e ter à disposição apenas lugares-comuns para se comunicar.
Com o passar do tempo, é interessante notar como essa relação
mantém-se superficial, não importa o quanto a aventura possa
aproximá-los, até que, ao final,
podemos indagar sobre o significado de vidas que parecem copiadas de catálogos publicitários, que
vivem uma aventura de angústia
profunda sem nunca a experimentarem em toda a intensidade.
Daí, talvez, o final silencioso restituir-nos esse enigma do que seja
uma vida. Kentis é, com certeza,
um cineasta a acompanhar.
Mar Aberto
Open Water
Direção: Chris Kentis
Produção: EUA, 2003
Com: Blanchard Ryan, Daniel Travis
Quando: a partir de hoje nos cines
Eldorado, Metrô Santa Cruz, Paulista e
circuito
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