São Paulo, sexta-feira, 22 de outubro de 2004

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"MAR ABERTO"

Kentis fisga pela angústia

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Em "Mar Aberto", existe, para começar, um casal de yuppies que, não sem muito esforço, consegue tirar férias. Necessárias férias. O estresse é tão grande que no primeiro dia Susan nem quer transar com Daniel, seu marido.
Estamos no começo do filme e, apesar de deficiências de uma produção barata gravada em DV, percebe-se um estranho constrangimento no par, como se a intimidade possível entre eles fosse, antes de mais nada, convencional.
Essa impressão será esquecida, tanto pelo espectador como pelo filme, depois que o casal inicia sua temporada de mergulho em alto-mar. Ou antes: ambos são esquecidos no mar pela companhia que organiza os mergulhos.
A maior parte do filme consiste, assim, em dois seres abandonados, cercados de água, à espera de que alguém venha resgatá-los.
A primeira coisa a dizer sobre esse momento -o principal, em todos os aspectos- do filme é que seu diretor-roteirista-fotógrafo-montador, Chris Kentis, demonstra habilidade para conduzir o seu "thriller" nessa situação inóspita e, ainda assim, interessar o espectador. Conta, para tanto, com poucos elementos: risco de tubarões, esperança de chegar a salvação, diálogos do casal.
De modo geral, o interesse é preservado, embora Kentis não estabeleça propriamente um crescendo de angústia e tensão. Desde que se vêem abandonados, somos transportados para a situação de angústia em torno da qual gravita o filme inteiro.
Terminado o espetáculo, porém, o espectador pode ser tomado por uma sensação de vazio. Ao contrário de pequenos filmes de sucesso (como o "Encurralado", de Steven Spielberg) ou grandes (os de Alfred Hitchcock, por exemplo), tem-se a sensação de que o achado (colocar dois seres humanos perdidos no mar) trabalha muito mais a favor do filme do que o desenvolvimento de idéias sólidas.
Isso poderá ficar mais claro depois de alguns filmes (Kentis está em seu segundo). Por ora, não é dizer pouco que "Mar Aberto" consegue criar uma boa atmosfera e deixar o espectador em suspense sem apelar para truques baixos. O final, silencioso, grave, contido, rima, estranhamente, com o início, quando esse casal tenso parece se passar de intimidade e ter à disposição apenas lugares-comuns para se comunicar.
Com o passar do tempo, é interessante notar como essa relação mantém-se superficial, não importa o quanto a aventura possa aproximá-los, até que, ao final, podemos indagar sobre o significado de vidas que parecem copiadas de catálogos publicitários, que vivem uma aventura de angústia profunda sem nunca a experimentarem em toda a intensidade.
Daí, talvez, o final silencioso restituir-nos esse enigma do que seja uma vida. Kentis é, com certeza, um cineasta a acompanhar.


Mar Aberto
Open Water
  
Direção: Chris Kentis
Produção: EUA, 2003
Com: Blanchard Ryan, Daniel Travis
Quando: a partir de hoje nos cines Eldorado, Metrô Santa Cruz, Paulista e circuito



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