São Paulo, sexta-feira, 22 de outubro de 2004

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POLÍTICA CULTURAL

Projetos terão de comprovar chances de estréia e sucesso para receber dinheiro de incentivo fiscal

Tribunal barra uso de verba pública em filmes "invisíveis"

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Daqui para a frente, somente se demonstrarem chances reais de estrear nos cinemas e atrair platéias os filmes brasileiros poderão ser feitos com dinheiro público.
A decisão foi tomada anteontem pelo Tribunal de Contas da União (TCU ), como resultado de auditoria na Agência Nacional do Cinema (Ancine). A agência é quem avalia os orçamentos e autoriza os projetos de longas-metragens brasileiros a usar em sua produção dinheiro que empresas pagariam de Imposto de Renda.
O mecanismo, conhecido como renúncia fiscal -o governo abre mão de receber o imposto, em favor da realização de projetos culturais- é regulamentado pelas leis Rouanet e do Audiovisual. Quase 100% dos filmes feitos no Brasil utilizam esse incentivo.

Prejuízo
Ao auditar a Ancine, o TCU verificou que, no universo de filmes analisados, mais de 30% foram concluídos (com o uso de R$ 12 milhões de incentivo fiscal), mas nunca estrearam. "Isso representa prejuízo aos cofres públicos, uma vez que são recursos que deixam de entrar no Tesouro, para financiar filmes que não são exibidos e, conseqüentemente, não trazem benefícios para a sociedade", conclui a auditoria, relatada pelo ministro do Tribunal Augusto Sherman Cavalcanti.
Com o fim de evitar que filmes sem chance de encontrar um lugar no mercado (por razões como "baixa qualidade" ou pela "falta de perspectiva comercial", conforme cita a auditoria) continuem recebendo incentivos do governo, o TCU determinou que a Ancine passe a realizar "análises de viabilidade técnica e comercial dos projetos", antes de aprová-los.
O procedimento adotado hoje pela agência, de acordo com constatação do TCU, se resume à conferência de documentos que comprovem idoneidade da empresa autora do projeto. "Observadas essas exigências, qualquer proposta, independentemente de sua qualidade ou viabilidade, pode ser aprovada", afirma o relatório.

"Dirigismo cultural"
O diretor-presidente da Ancine, Gustavo Dahl, diz que "como é determinação do Tribunal de Contas, a agência vai ter de aplicar esses critérios. Até que ponto isso poderá ser considerado o polêmico tema do "dirigismo cultural" só a experiência poderá dizer".
Outra conclusão do TCU é que a Ancine autoriza sistematicamente, "sem amparo legal", a cobrança de "taxa de administração" pela qual os produtores do projeto recebem até 10% do valor total.
Em 2003, foi de R$ 80 milhões, segundo o TCU, a captação de recursos por meio das leis de incentivo para a realização de longas-metragens. Quase R$ 8 milhões desse total se destinaram à "taxa de administração". A inconveniência dessa taxa, aponta o Tribunal, é que ela não tem aplicação direta na realização do projeto, mas sim no custeio de despesas fixas de seus produtores.
O Tribunal diz que "no caso do audiovisual, as leis de incentivo têm por finalidade o financiamento de projetos" e que "é inconcebível que o sacrifício feito pelo Estado, decorrente da renúncia de parte de sua receita, tenha por objetivo manter a atividade do setor cinematográfico".
A decisão do TCU nesse aspecto foi a de determinar à Ancine que revogue "os dispositivos que atualmente permitem a inclusão de taxa de administração nos orçamentos dos projetos".
O diretor da agência afirma que "só resta à Ancine acatar o entendimento do TCU", mas diz que a agência "aumentou de 5% para 10% a taxa de administração, a pedido da [área de] produção". Segundo Dahl, os produtores consideram a taxa de administração equivalente "às comissões cobradas pelas produtoras de publicidade ou pelas empreiteiras".
O TCU determinou também que a Ancine "se estruture adequadamente" para fiscalizar os projetos, evitando contratação de auditorias externas pelas empresas produtoras. Esse tipo de contratação é hoje uma prática. A auditoria identificou sua "concentração" numa empresa. "De todos os processos analisados, só um não utilizou a referida empresa."


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