São Paulo, sábado, 22 de outubro de 2005

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CRÍTICA

Nova obra é parábola delicada sobre a fé

COLUNISTA DA FOLHA

"Espelho Mágico", novo filme de Manoel de Oliveira, pode ser visto como uma tocante reflexão agridoce sobre o lugar da fé (cristã ou qualquer outra) na sociedade contemporânea.
Baseado na novela "A Alma dos Ricos", de Agustina Bessa-Luís (parceira do diretor em inúmeros outros trabalhos), o filme conta a história de Alfreda (Leonor Silveira), dama rica cuja obsessão é ter uma visão da Virgem Maria. Nem mesmo seus conselheiros religiosos, como o padre Clodel (Lima Duarte) e o professor de teologia Heschel (Michel Piccoli), conseguem demovê-la da idéia fixa.
Disposta a ajudar na redenção dos desencaminhados, Alfreda contrata um jovem recém-saído da prisão, Luciano (Ricardo Trepa, neto do cineasta português), para lhe servir de companhia em visita a locais sagrados.
Intrigado e afeiçoado pela patroa, Luciano trama com o falsário Filipe (Luís Miguel Cintra), seu ex-companheiro de cadeia, a encenação de uma aparição da Virgem, usando para isso uma moça do interior.
Oliveira conduz essa delicada parábola trilhando o tempo todo a linha tênue entre a religiosidade e a ironia, parecendo aproximar-se ora de Carl Dreyer, ora de Luis Buñuel. Nunca antes tinha ficado tão clara sua concepção de cinema como instrumento de investigação da alma humana, daquilo que a superfície das coisas ao mesmo tempo revela e esconde.
Os longos planos fixos, contemplativos, no interior dos quais, entretanto, agitam-se todas as inquietações da alma, refletem uma busca permanente da graça, daquilo que pode fazer o homem transcender a miséria e a finitude.
Paradoxalmente, a câmera se torna móvel e fluida nas cenas em que assume o ponto de vista de uma pessoa paralisada, em coma, durante uma visita a Veneza e à Terra Santa. A verdadeira viagem é interior, parece dizer Oliveira a um mundo cada vez mais esvaziado de espiritualidade.
Uma fala de Alfreda talvez possa ser lida como uma declaração do diretor: "Quem não quer salvar o mundo não vale mais que um pepino seco". Fazer filmes sublimes como esse foi a maneira que Oliveira encontrou para ajudar a salvar o mundo.


Espelho Mágico
    
Direção: Manoel de Oliveira
Quando: hoje, às 20h20, no Frei Caneca Unibanco Arteplex; amanhã, às 16h10, no Cine Bombril; e dias 24, às 17h40, no Cineclube Vitrine; e 25, às 19h, na Faap


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