|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica
Aos 63 anos, Joni Mitchell faz acerto de contas com a utopia de sua geração
CARLOS CALADO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Que gravadora não adoraria promover a volta
à cena musical de uma
rebelde da geração paz-e-amor
e do folk de protesto com um
CD ao lado de neo-hippies, modernetes e outros "convidados
especiais"?
Para alívio dos fãs de Joni
Mitchell, seu novo álbum foge
desses clichês. Aos 63, a compositora parece mais interessada em um acerto de contas bem
pessoal com a utopia de sua geração. Exceto por pontuais aparições de alguns músicos, ela
mesma se encarrega de traçar
despojadas telas sonoras para
as canções, tocando teclados,
piano e o característico violão.
"One Week Last Summer",
etérea composição instrumental que abre "Shine", desenha
uma imagem onírica próxima
de ser destroçada. "Você vê
aquelas colinas adoráveis/ Elas
não estarão lá por muito tempo/ Eles vão arrasá-las", confirma a agridoce "This Place".
A imagem do apocalipse ambiental também está presente
em outras canções, como a
pungente "If I Had a Heart"
("Estamos fazendo desta Terra/ A pira de nosso funeral") ou
a indignada "Strong and
Wrong" ("Homens adoram
guerra!/ É pra isso que serve a
história/ História.../ Um mistério de massacre").
Nas mãos de outro autor, um
tema como esse poderia facilmente resultar num panfleto
simplista, mas não nos versos e
na voz de Joni Mitchell. Com
sua elegância musical e toques
finos de ironia, ela dispara em
diversos alvos, como "os zumbis de celulares que tagarelam
nos shoppings" ("Bad
Dreams") ou as igrejas ("todas
elas amam menos e menos",
em "Shine"), sem a prepotência
de querer apontar soluções.
Mais que um gancho para
que o álbum seja tocado nas rádios, a releitura de "Big Yellow
Taxi", hit que em 1970 já indicava o interesse de Joni na
questão ambiental, parece sintomática. Para uma compositora que chegou a declarar que estava odiando música, "Shine"
soa, na medida do possível, como uma retomada da crença no
poder da canção.
SHINE
Artista: Joni Mitchell
Gravadora: Hear Music/Universal
Quanto: R$ 30
Avaliação: bom
Texto Anterior: Frase Próximo Texto: Guilherme Wisnik: O nomadismo sedentário Índice
|