São Paulo, quarta, 22 de outubro de 1997.




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Martinho da Vila aposta no 'Deus que dança' em novo disco

XICO SÁ
da Reportagem Local

Enquanto Caetano Veloso se preocupa em zelar pelas suas memórias e aliterações em "Verdades Tropicais", livro que será lançado em convulsão da mídia no final de semana, Martinho da Vila celebra a verdade fácil e o incomparável suingue brasileiro no disco "Coisas de Deus".
E que se cuide Jorge Benjor, maior músico da prosódia beat de todos os tempos, o homem que ignorou a desprezível rima rica brasileira e grudou no verso livre como um Walt Whitman do morro, aquele que a cegonha deixou, graças a Deus, em Madureira.
Martinho, que já nasceu com a malandragem, agora pegou o espírito e filosofia de Hermes Trimegistus e sua tábua de esmeralda. É todo exaltação, amor, falar bem dos outros, caldo de feijão e crença em um Deus que dança.
"Tem um frevo, tem uma marcha rancho que é meio ciranda, tem um samba que é meio funkeado, tem partido-alto, tem um som bacana de baile, com arranjo de Paulo Moura", diz o autor de "Tá Delícia, Tá Gostoso", o antológico álbum anterior que fez carreira na "serra Pelada" da indústria dos discos de ouro.
"Coisas de Deus" foi lançado oficialmente anteontem, com direito a caldo de feijão e festa de respeito no Rio. No final do mês, dia 30, a fuzarca se repete em forma de show no Tom Brasil, em São Paulo, túmulo do samba e ressureição do mercado fonográfico brasileiro.
"Pensei em fazer um disco baseado na natureza, que falasse só do sol, da lua, da terra, mas depois fiquei pensando... Deus é natureza, tranquilo, saiu, coisas de Deus", diz o moço de Vila Isabel.
Para fazer o CD, Martinho reuniu só grife do samba: composições e arranjos passam por Walter Rosa, Nelso Rufino, Zé Catimba, Mané do Cavaco, Rildo Hora e Luis Carlos Vila -este último também tem um bom disco na praça, pelo selo Velas.
O produto espiritual do sambista tem uma ligação interessante com o seu passado, quando sempre esteve prestando o seu apoio ao velho "Partidão", o Partido Comunista Brasileiro, ex-PCB.
"Eu me lembro do tempo assim, das pessoas bem materialistas, bem comunistas, que falavam que não acreditavam em Deus, mas, quando se despediam da gente, diziam: 'Deus te proteja'."
Entre os amigos comunistas que acenavam para os céus, Martinho da Vila recorda do jornalista e especialista em samba Sérgio Cabral e do poeta Ferreira Gullar.
No novo CD, Martinho da Vila informa que está menos machista. Aliás, avisa melhor: "Nunca fui essa coisa, sempre estive mais ligado à submissão, exaltação à mulher, embora tenham confundido, no primeiro momento, o meu amor, o meu dengo, a manha, com machismo... Nossa Senhora!".
Nem machista nem fanático, apenas carregado de fé. Mas sem precisar se ajoelhar no milho de nenhuma religião. O disco é um apanhado de sons e exaltação aos deuses que dançam.

Disco: Coisas de Deus Artista: Martinho da Vila Lançamento: Sony Quanto: R$ 18, em média


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