São Paulo, quarta, 22 de outubro de 1997.




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Costa acentua composição bela e fria em "Ossos"

da Redação

Para quem só conhece o cinema de Portugal por meio das seguidas obras-primas de Manoel de Oliveira, "Ossos", filme do cineasta Pedro Costa, pode funcionar como acréscimo de referências.
Em seu terceiro longa, o promissor Costa acentua seu universo sombrio, mas o resultado é decepcionante.
Na periferia miserável de Lisboa, personagens erram como fantasmas. Clotilde é uma faxineira que executa suas tarefas como um autômato. Sua amiga Tina mergulha em desespero depois de um parto indesejado. Após uma tentativa de suicídio de Tina, o pai da criança foge com o bebê, vaga pelas ruas e é recebido em sua casa por uma enfermeira caridosa.
Em "Ossos", Costa acentua sua maneira austera de dirigir. Como em seu filme anterior, "Casa de Lava", exibido na 19ª Mostra, seu domínio da composição do plano é impressionante.
O problema de "Ossos" é a ausência de empatia da narrativa com o espectador. As situações são desagradáveis, os personagens são obscuros e o filme é composto quase inteiramente de tempos mortos, esvaziados de ação.
Para agravar, as poucas situações dramáticas são rarefeitas, tratadas com um excesso de distanciamento que impede qualquer esforço de boa vontade.
Os planos minimalistas -um rosto sofrido, mãos que se cruzam- são belos, mas destituídos de emoção.
Na cena da tentativa de suicídio de Tina, por exemplo, vê-se a mãe e o filho num sofá e ouve-se o ruído enervante do gás. A composição é perfeita, mas e daí?
Em "Casa de Lava", o diretor português contava com o mistério da paisagem vulcânica de Cabo Verde e alcançava, por meio dela, um registro do mistério e da incompreensão humanos.
Mesmo com problemas, "Ossos" foi aclamado em Veneza, e Costa recebeu o prêmio de melhor direção.
Talvez o espectador europeu sinta-se incomodado por ter que conviver com aquela pobreza logo ali no seu quintal.
Para o espectador brasileiro, no entanto, "Ossos" nem se aproxima da miséria brutal.
(CÁSSIO STARLING CARLOS)



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