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CINEMA
"EDIFÍCIO MASTER"
Amplitude da amostragem é o que credencia prédio a se tornar objeto central de um longa
Filme apresenta mundo como ficção plena
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Quem espera de "Edifício Master" grandes revelações sobre a vida secreta em um cortiço vertical esqueça. Tudo se passa como se
Eduardo Coutinho tivesse feito
este filme antes de tudo para frustrar nosso voyeurismo.
Os personagens que habitam
esse prédio de Copacabana com
mais de 20 apartamentos por andar não têm nada de especial a dizer, e sua diversidade é grande o
bastante para configurar uma espécie de representação em escala
do que seja o Rio de Janeiro na virada para o século 21.
Moram ali jovens músicos, senhores aposentados, técnicos de
futebol, camelôs, prostitutas,
mães solteiras.
A amplitude da amostragem é
desnorteante, e é apenas isso que
credencia o edifício, entre tantos,
a se tornar o lugar privilegiado de
um filme. Aliás, já nas cenas iniciais, o síndico avisa que os tempos de decadência são passado. O
Master é um prédio como qualquer outro. O que vem a seguir
não irá desmenti-lo.
Qual, então, o interesse do filme? "Santo Forte" (1999), do mesmo Coutinho, tinha a propriedade de atirar o espectador em um
registro muito particular: captava
discursos de natureza religiosa, isto é, que dizem respeito diretamente ao imaginário, de tal modo
que a ficção se instalava no coração das imagens e de certa forma
nos arrastava.
No "Master", nada disso. Lá estão a garota renegada pelos pais
por ter engravidado, o senhor que
encontrou a mulher nos anúncios
de jornal, as irmãs solteiras que
passaram a vida juntas (uma delas se ocupando da outra e da
mãe, ambas doentes), a poeta
desempregada. Etc.
Com exceção do aposentado
que emigrou para os EUA quando
jovem e, à parte deixar seus três filhos por lá, cantou certa vez com
Frank Sinatra, as histórias são
prosaicas. Talvez a cena final, noturna, em que os apartamentos
são vistos de fora pela câmera,
desminta tudo o que foi dito aqui
(ou seja, antes, seu corolário).
Nesse rápido instante, vemos
não mais que silhuetas, figuras
que não chegamos a identificar.
Existências fechadas em si mesmo, cujo mistério permanece intacto apesar de tudo que, agora,
sabemos a seu respeito (a cena
lembra um pouco quadros de Edward Hopper que, à força de realismo, acabam nos falando da irrealidade do mundo).
Talvez, na verdade, "Edifício
Master" comece depois que termina. Isto é, quando saímos à rua
e deparamos com nossos semelhantes.
E, por um momento, podemos
pensar que habitualmente não
conhecemos das pessoas nada
mais que a casca, a aparência. E
que qualquer uma delas (isto é,
qualquer um de nós) tem um discurso, um ponto de vista, uma
história a contar. E que qualquer
história pode ser interessante,
porque todas as vidas o são.
É apenas então -já terminado- que o filme nos restitui à atmosfera ficcional de "Santo Forte", embora num grau de radicalidade maior. Se neste entrávamos
em contato com a ficção que cada
um cria para si (sob a forma, no
caso, de discurso religioso), aqui é
o mundo que se apresenta como
ficção plena, fascinante, na medida em que cada corpo é investido
de uma história: aquela que cada
um narra a si mesmo e que faz de
cada ser um mistério.
Daí, talvez, o formidável achado
que é "Edifício Master": cada cubículo contém um mundo particular e fechado em si mesmo. Vistos de perto, esses cubículos configuram um labirinto. Talvez esse
labirinto seja cada um de nós, talvez a soma de todos.
Talvez, por fim, seja preciso ver
Eduardo Coutinho como o criador de um gênero paradoxal: o
documentário fantástico.
Edifício Master
Direção: Eduardo Coutinho
Produção: Brasil, 2002
Quando: a partir de hoje no Espaço
Unibanco
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