São Paulo, sábado, 22 de novembro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crítica/"A Construção do Gosto"

Musicólogo realiza estudo profundo do período joanino

Maurício Monteiro analisa cultura pré-existente no Brasil e valores da nobreza lusa

IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Falar de música não é só analisar partituras ou contar "causos" sobre os "gênios" da composição. A música pode e deve ser analisada como um fato social, um código cultural elaborado e decodificado em uma determinada época e local.
Nesse aspecto, "A Construção do Gosto - Música e Sociedade na Corte do Rio de Janeiro - 1808-1821", de Maurício Monteiro, representa um salto gigantesco com relação ao que se faz nessa área hoje, no Brasil.
Não que faltassem bons livros sobre o impacto cultural da Versalhes tropical que a dinastia de Bragança criou no Rio de Janeiro, ao fugir das tropas napoleônicas, em 1808.
Mas a musicologia estava a dever um estudo profundo como este, que, em vez de apenas contar historinhas sobre José Maurício Nunes Garcia, Marcos Portugal e Sigismund Neukomm (os três maiores músicos em atividade naquele período), investigasse, do ponto de vista da música, as relações entre a cultura pré-existente no Brasil, os valores chegados com a nobreza lusa e o resultante desse encontro -especialmente significativo se levarmos em conta a importância que o fazer musical tinha para a monarquia lusitana.
Afinal, os Bragança eram uma casa especialmente ligada a esse tipo de manifestação artística -D. João 4º havia sido compositor, D. João 5º investira pesadamente em música, e a Real Capela, que D. João 6º trouxe ao Rio, era considerada uma das melhores orquestras européias daquele tempo.
"Quando a corte desembarcou no Brasil, foi necessário fazer com que todos percebessem sua chegada e depois se habituassem à sua permanência e observassem suas práticas", escreve o autor.
Em uma sociedade em que a ópera era a expressão estética da pompa e poder do monarca, o gosto constituía prerrogativa da corte. "Estar, ou mostrar-se, de acordo com o gosto do monarca significou estar mais perto dele e de suas práticas e, de certa forma, sentir-se civilizado ou na busca do ideal europeu de civilização."
Apresentador de programas da Cultura FM, com um rico currículo como musicólogo, e dono de uma prosa em que o rigor metodológico não compromete a fluência ou o prazer da leitura, Monteiro reflete com erudição e maestria sobre os diversos cruzamentos estéticos e sociais engendrados pela situação sui generis de uma cidade do Novo Mundo ser a capital de um reino europeu.
Aborda não apenas a música "erudita", da corte, mas também as práticas "plebéias", dos lundus e modinhas, em uma sociedade marcada pela profunda clivagem da escravidão.
Pinturas de Debret retratando cerimônias públicas, ou os anúncios da Gazeta do Rio de Janeiro sobre pianos à venda, são analisados como documentos históricos tão importantes quanto as partituras.
Os aspectos puramente musicais são analisados, sim, e com seriedade, mas sem aquele pedantismo rançoso que costuma tornar os textos acadêmicos áridos, impenetráveis e hostis aos "leigos".
Muita gente já louvou a rica prática musical carioca do período joanino. Com o livro de Monteiro, talvez estejamos, finalmente, dando o primeiro passo para compreendê-la.


A CONSTRUÇÃO DO GOSTO - MÚSICA E SOCIEDADE NA CORTE DO RIO DE JANEIRO - 1808-182
Autor: Maurício Monteiro
Editora: Ateliê
Quanto: R$ 50 (360 págs.)
Avaliação: ótimo



Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Crítica/ "O Paraíso das Damas": Émile Zola encena o mundo do consumo e do supérfluo
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.