São Paulo, sexta-feira, 22 de dezembro de 2000

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CINEMA/ESTRÉIAS

"CAPITÃES DE ABRIL"

Medeiros dirige febre revolucionária portuguesa

DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

A repercussão de "Capitães de Abril" aproxima-o de um "O Que É Isso, Companheiro?" português. O longa de estréia na direção da atriz Maria de Medeiros conquistou internacionalmente um prestígio negado ao filme no âmbito lusitano.
Além de selecionado para uma seção paralela de Cannes, "Capitães" sagrou-se um dos três vitoriosos da última Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Em Portugal, foi bem diferente. Teve boa carreira comercial, mas colecionou críticas negativas a sua fatura cinematográfica e ao (des)respeito à letra da história.
Não é difícil entender o fenômeno. "Capitães de Abril" dramatiza as 24 horas mais importantes da história recente de Portugal, o 25 de abril de 1974 da Revolução dos Cravos. Décadas de autoritarismo salazarista ruíram, iniciando um período de democratização.
Nenhum episódio histórico contemporâneo permanece mais vivo na memória dos portugueses, ajudada pelas várias produções, em cinema e TV, realizadas na última década. Para sorte de Medeiros, poucos desses títulos ultrapassaram as fronteiras lusas. A própria história da revolução, na época fartamente coberta pela imprensa internacional, diluiu-se até tornar-se memória distante para quem a acompanhou ou um evento de título romântico para as gerações sucessivas.
É assim que o público internacional minimiza com facilidade, quando não simplesmente desconhece, as liberdades históricas tomadas pelo filme. Para os espectadores portugueses, a cobrança era inevitável e foi mesmo intensa.
Medeiros estruturou seu filme como uma comédia romântica política em que se alternam cenas da batalha pública contra o salazarismo (então liderado pelo presidente deposto Marcelo Caetano) e momentos da vida privada de alguns protagonistas. Em sua imensa maioria, são esses personagens de ficção, da professora de esquerda vivida pela própria Medeiros, a seu marido militar, veterano das guerras na África.
A principal exceção é o capitão Maia. Um provinciano que veio a Lisboa lutar pela liberdade, fez-se líder e viu-se alijado na disputa pelo poder pós-revolucionário. Morto precocemente no início dos anos 90, ressurge agora como herói de cinema.
Medeiros foi criticada por aproximar um levante militar de uma convenção estudantil, por deturpar a equação de forças políticas do período Caetano, por criar situações inverossímeis como a do casal que passa a noite num tanque revolucionário. É incrível, mas vários dos momentos mais surreais de seu filme, como o tanque que pára no farol, o líder com um mapa de Lisboa nas mãos, ou o blindado que quebra em pleno avanço sobre a capital, escaparam dos ataques. Apesar de sua carga histriônica, são todos verídicos.
Muito mais do que Bruno Barreto, Maria de Medeiros lembra em "Capitães de Abril" de outro ator que ama a revolução: Warren Beatty, do subestimado "Reds" (1981). São dois raros filmes que tiveram sucesso em sintonizar o fogo íntimo e o candor cívico e em reencenar com credibilidade a febre revolucionária. É um feito e tanto para uma cineasta estreante, mesmo com o currículo de Medeiros. (AMIR LABAKI)


Capitães de Abril
Capitaines D'Avril
   
Direção: Maria de Medeiros
Produção: França/Portugal, 2000
Com: Stefano Accorsi, Maria de Medeiros, Frédéric Pierrot, Joaquim de Almeida, Fele Martinez
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco, ABC Plaza Shopping, Interlar Aricanduva, Lumière, Sala UOL de Cinema e Villa-Lobos




Texto Anterior: "Verger": Documentário restitui laço de Brasil e África
Próximo Texto: "Leste-Oeste - O Amor no Exílio": Wargnier carrega stalinismo de dramaticidade
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.