São Paulo, sábado, 22 de dezembro de 2001

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Elena Poniatowska homenageia cientistas em "La Piel del Cielo'; romance será seu primeiro título no Brasil, em 2002

FRANCESCA ANGIOLILLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Hélène Elizabeth Louise Amélie Paula Dolores Poniatowska Amor. O nome de princesa não é à toa. Filha de um descendente da família real polonesa, Jean Poniatowski, e da mexicana Dolores Amor, Elena Poniatowska, 69, estava destinada a se casar com algum príncipe europeu. Preferiu ser jornalista e escritora.
Polonesa de origem, francesa de nascimento e mexicana por adoção (vive no país materno desde 1942), a menina curiosa que perguntava "e depois?" quando a mãe acabava as histórias com "e viveram felizes para sempre" tornou-se a primeira mulher no México a ganhar o Prêmio Nacional de Jornalismo, em 78, e colheu também vários louros literários. O mais recente foi o Prêmio Alfaguara de Romance 2001, por "La Piel del Cielo" -seu primeiro título a atrair uma editora brasileira, a Objetiva, que o lança no segundo semestre de 2002.
Concorrendo sob o pseudônimo de "Dumbo", Poniatowska surpreendeu o júri do prêmio dado pela editora homônima espanhola, que acreditava ser um homem o autor da história de Lorenzo de Tena -filho bastardo de um aristocrata decaído com uma camponesa, cuja sabedoria intuitiva sobre a natureza o inspira a mirar o céu e perscrutar estrelas.
Imaginavam menos ainda que se tratasse de uma autora que se voltara tantas vezes a personagens femininas, como a fotógrafa italiana Tina Modotti ("Tinissima", biografia romanceada que lhe custou dez anos de trabalho deu o Prêmio Mazatlán em 92) ou um septeto de ilustres mexicanas, entre elas Frida Kahlo, em "Las Siete Cabritas" (2000).
A experiência de jornalista, em que diz ter sempre preferido o homem comum aos políticos, permeia sua literatura.
A mescla pode dar no incensado "La Noche de Tlatelolco" (71) -vozes reais sobre o massacre de estudantes que protestavam, em 68, na Plaza de las Tres Culturas, na Cidade do México- ou no novo "La Piel del Cielo", em que astrônomos de verdade cruzam as páginas de mãos dadas com personagens inventados.
"Quis dar a muitos dos cientistas seus nomes verdadeiros para render-lhes homenagem; porque ninguém fala deles, quis que aparecessem no meu livro", disse Poniatowska à Folha, em entrevista concedida na 15ª Feira do Livro de Guadalajara, no mês passado.

Folha - Por que escrever um livro sobre um astrônomo?
Elena Poniatowska -
Sempre tive um grande interesse pela ciência. Eu sou jornalista desde 1953 e sempre vi que se dá importância enorme aos escritores e intelectuais, mas nunca aos cientistas.
Além disso, achei importante saber o que significa a ciência em um país de Terceiro Mundo. No México, com a fronteira com os EUA, pensamos que importando a tecnologia de lá se resolvem nossos problemas. No entanto, os mexicanos, por tradição, foram grandes astrônomos, são muito criativos. Por isso achei que era um tema importante. Claro, fiz também uma história de amor.

Folha - Lorenzo de Tena quer ajudar as pessoas, mas lida mal com elas; é um misantropo, que não se encaixa em seu meio e prefere as estrelas. Comente, por favor.
Poniatowska -
Ele é intolerante, crítico, pensa que todo mundo é estúpido. Nós também pensamos coisas do gênero, mas não dizemos. Se nos abrissem a cabeça, como uma noz, e vissem tudo o que pensamos, diriam "que barbaridade". Lorenzo, não, ele fala tudo o que pensa. Por isso briga, tem inimigos, parece antipático.

Folha - "La Piel del Cielo" cobre um período longo da história do México. Herança do jornalismo?
Poniatowska -
Começo nos anos 20, 30 e termino em tempos quase da cibernética, de propósito. Abarco cerca de 80 anos. Acho que toda literatura, à exceção da ficção científica, é reflexo da realidade do autor. Em geral, são muito poucos os autores que ficam de fora de seus livros.

Folha - Qual aspecto de sua realidade se reflete no romance, então?
Poniatowska -
Fui casada com um grande astrônomo mexicano [Guillermo Haro, 1913-1988". Quando vivi com ele, meus filhos eram muito pequenos, não participei da vida científica, mas serviu para eu dizer "gostaria de fazer esse romance". Porém é uma ficção.

Folha - Ser jornalista ajudou-a a pesquisar e compor os personagens e descrever fatos científicos?
Poniatowska -
Ao longo do tempo, fiz muitas entrevistas com cientistas, comprei muitos livros de ciência -obviamente não li todos, não tive tempo. Tenho um quarto na minha casa cheia de livros e entrevistas sobre ciência.

Folha - Como o fato de ser jornalista influencia sua narrativa?
Poniatowska -
Você se acostuma a escrever, não espera a inspiração. Passa a acreditar que existem dias bons e dias maus, dias em que o que você escreve e o que sai não parece tão horrível e dias em que tem que jogar fora o que escreveu. Ajuda a adquirir o ofício e isso não tem preço. Mas fiz jornalismo demais. Entrevistei muita gente, louvei muitos escritores.

Folha - A crítica social é uma missão comum a autores e jornalistas?
Poniatowska -
Na América Latina, a realidade é tão dura e difícil que os escritores escrevem sobre o que acontece. Afinal, a realidade é mais forte do que qualquer coisa que se possa inventar, qualquer ficção pessoal. Isso é importante.


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