São Paulo, sábado, 22 de dezembro de 2001

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CRÍTICA

Caráter investigativo salta, para o bem e para o mal

DA REPORTAGEM LOCAL

O começo engana. O relato de como uma mãe pobre, porém sábia, se esforça com amor para criar os cinco filhos dignamente pode fazer com que o leitor brasileiro pense estar diante de outro livro sentimental, escrito por outra autora mexicana, literatura açucarada, "para mulher".
É preciso cruzar com perseverança os primeiros capítulos de "La Piel del Cielo" para que surjam sinais da trajetória combativa de Elena Poniatowska, que a alça da prateleira de "literatura feminina" à de autores renomados.
Talvez tenha sido uma aposta no público feminino a fazer com que a Objetiva escolhesse justamente "La Piel del Cielo", entre os cerca de 30 livros de Poniatowska, para lançar a autora no Brasil.
Não por acaso é a mesma editora que lançou, neste ano, livros das também mexicanas Laura Esquivel ("Tão Veloz como o Desejo") e Ángeles Mastretta ("Mulheres de Olhos Grandes").
Ambas autoras se alinham mais com a promessa encetada nos primeiros capítulos do romance do que com o engajamento político e a crítica audaciosa que marcaram outros livros de Poniatowska, como "La Noche de Tlatelolco"; ou a paciente investigação que permitiu com que biografasse personagens icônicos da história recente mexicana, como Octavio Paz.
Felizmente, a narrativa toma ritmo do terceiro capítulo em diante, com a inclusão de personagens mais nuançadas e acontecimentos mais mundanos, que liberam o leitor do cotidiano no afastado sítio onde a família de Florencia -braço bastardo dos decadentes De Tena- crescia.
A luta por mostrar o México como um país capaz de andar sobre as próprias pernas é o "leitmotiv" do romance. Ao mesmo tempo, impõem-se as dificuldades de país de Terceiro Mundo -a pobreza, a falta de vontade política.
A qualidade investigativa da jornalista Poniatowska transparece, para o bem e para o mal, em "La Piel del Cielo". Para o bem, por resgatar um trecho amplo da história mexicana -e conhecer a história ajuda a vencer preconceitos. Para o mal, pelo excesso de detalhes com que o faz: às vezes falta habilidade para mesclar a pequena e a grande história.
Uma vez que o protagonista Lorenzo de Tena ultrapassa as dúvidas e o romantismo da adolescência (sem perder a rebeldia) e, evocando a vocação dos antepassados pré-colombianos, dedica-se à astronomia, a narrativa toma ritmo e abre espaço para que a autora coloque-se criticamente, na voz de seus personagens.
No entanto é preciso dizer que, por vezes, a mão de Poniatowska pesa: fica difícil acreditar no tamanho da misantropia (e até misoginia) que fazem tão solitário o esforço de Lorenzo -parcialmente inspirado pelo astrônomo Guillermo Haro, com quem foi casada e que, como o personagem, dirigiu os observatórios de Tonantzintla e Tacubaya.
Não que seja mau livro. Mas o leitor brasileiro ganharia se a primeira obra de Elena Poniatowska publicada no país refletisse mais acuradamente o alcance de sua literatura. (FRANCESCA ANGIOLILLO)


La Piel del Cielo
  
Autor: Elena Poniatowska
Editora: Alfaguara
Quanto: US$ 20,76 ou R$ 86 (474 págs.) Onde encomendar: www.bn.com, www.submarino.com.br




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