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RESENHA DA SEMANA
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BERNARDO CARVALHO
COLUNISTA DA FOLHA
Do ponto de vista moral,
"Uma Missa para a Cidade
de Arras", romance do polonês
Andrzej Szczypiorski (1924-2000), é impecável. Escrito em
reação à campanha anti-semita
que o governo comunista polonês dirigiu contra os intelectuais
judeus em 1968, o livro é um ataque ao totalitarismo, ao populismo e à demagogia.
É um livro que se dirige tanto
ao bom senso como ao consenso, uma vez que ninguém em sã
consciência se declara de viva
voz a favor do totalitarismo, do
populismo ou da demagogia,
nem mesmo os ditadores, os populistas ou os demagogos.
Para denunciar o absurdo e as
injustiças do presente,
Szczypiorski recorre ao passado.
A caça às bruxas e aos judeus na
cidade de Arras (norte da França) em 1461 serve de alegoria da
Polônia em 1968. A distância do
passado torna a crítica da injustiça irrefutável e consensual. O
autor usa o acontecimento histórico como parábola. É um recurso, aliás, bastante conhecido
dos escritores sob as ditaduras.
Szczypiorski foi um dos colunistas políticos mais combativos
da imprensa polonesa do pós-guerra. Lutou na juventude contra a ocupação nazista ao lado
dos comunistas e foi mandado
para um campo de concentração. Aliado à oposição democrática no final dos anos 70, foi
internado sob a lei marcial que
vigorou entre 81 e 82. Em 89, foi
eleito senador pelo Solidariedade, mas renunciou em 91, por
discordar do rumo populista tomado pelo movimento.
"Uma Missa para a Cidade de
Arras" narra a sanha com que os
cidadãos manifestam seus preconceitos e perseguem judeus e
hereges, guiados pela autoridade religiosa que age sob aparência representativa de um conselho municipal. É quase um tratado de psicologia social, cujos alvos são os totalitarismos em geral e a Polônia em particular.
O romance faz do passado um
palanque de idéias e princípios
sobre a justiça com os quais, em
princípio, todo ser humano de
bom senso está de acordo. E é aí
que começam os problemas,
não do ponto de vista político ou
moral, mas literário.
No número 11 da revista de
poesia "Inimigo Rumor", que
acaba de sair pela editora 7 Letras em parceria com as portuguesas Cotovia e Angelus Novos, há uma entrevista em muitos pontos idiossincrática, e por
isso mesmo esclarecedora, com
aquele que é considerado o
maior poeta português vivo,
Herberto Helder, em geral tão
avesso às entrevistas.
"Não há nada a ensinar embora haja tudo a aprender. Aquilo
que se aprende vem do nosso
próprio ensino (...), vão se
aprendendo sempre as maneiras da pergunta. Uma pergunta
em perguntas, um poema em
poemas (...). Aprende-se que a
pergunta se desloca com a luz
inerente, ilumina-se a si mesma,
(...) ensina a si mesma, ao longo
de si mesma (...). Leio romances
desde que perceba que não estão
a responder. Alguns são extraordinárias máquinas interrogativas (...). Existem romances
imperdoáveis, quase todos os
romances contemporâneos são
imperdoáveis", diz Helder.
No romance de Szczypiorski,
por exemplo, a partir do momento em que o leitor entende
que o texto é um pretexto, não
há mais nenhuma surpresa. Tudo obedece a um objetivo moral
que foi previamente calculado
para que se reconhecesse ali o
óbvio inquestionável: os absurdos da injustiça.
Ao fazer do romance um instrumento e uma ilustração contra o terror totalitário, não cabe
ao autor se arriscar, às cegas, por
caminhos desconhecidos. Ao
contrário, para provocar a indignação do leitor, precisa levá-lo a reconhecer, pela luz incontestável da alegoria histórica,
um caminho que ele já conhece.
Szczypiorski escreve como um
editorialista político. Trabalha
com evidências. É porta-voz da
razão. A intenção pode ser a melhor do mundo, mas em literatura, por mais justo e inteligente
que seja o argumento, a submissão da potência da dúvida (a que
se refere Herberto Helder) a veículo de uma mensagem correta
é quase sempre de um esquematismo constrangedor.
Se não fosse, bastaria aos escritores uma boa dose de bom senso para que produzissem verdadeiras obras-primas, e a história
tem provado que as coisas não
são bem assim. Não há verdade
na literatura que forja perguntas
para as respostas que já tem.
Uma Missa para a Cidade de
Arras
Msza za miasto Arras
![](http://www.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
Autor: Andrzej Szczypiorski
Tradutor: Henryk Siewierski
Editora: Estação Liberdade
Quanto: R$ 24 (156 págs.)
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