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"O APANHADOR DE SONHOS"
ETs de King oferecem boa diversão
RODOLFO LUCENA
EDITOR DE INFORMÁTICA
Ainda bem que livro não
exala cheiro, porque o fedor
de "O Apanhador de Sonhos" seria insuportável. Vômitos, arrotos, excrementos e outros dejetos
humanos encharcam a primeira
parte da nova obra de Stephen
King, o primeiro romanção do
mestre do suspense desde o acidente que quase o matou, em 99.
Manuscrito a caneta enquanto
King convalescia e não ficava confortável com o computador portátil, "O Apanhador de Sonhos",
editado no Brasil pela Objetiva, é a
prova de que a temporada no hospital não enferrujou o mago do
best-seller, mas também não nos
livrou de certas manias de King.
Depois de uma resvalada no que
poderia ser chamado de terror
psicológico, em "Saco de Ossos",
o autor volta para seu chão mais
tradicional, povoado por monstrinhos assassinos, gosmentos,
feiosos e fedidos, que são enfrentados por gente como a gente.
Para variar, nos bons livros de
King, a história não é o que mais
importa. Em todo o caso, trata-se
do início da invasão do planeta
por extraterrestres, parasitas que,
na Terra, só conseguem viver
dentro dos seres humanos, alimentando-se dos órgãos e tecidos
como câncer com dentes. Em
contrapartida, dão aos seus hospedeiros capacidades telepáticas.
Para enfrentar os tais vermes esfaimados, King montou um time
formado por quatro amigos entrando na faixa dos 40. Eles se conhecem desde os tempos de infância, na Derry, palco de outras
assombrações de King (como o
palhaço assassino de crianças de
"A Coisa"). E têm, também desde
a infância, profunda ligação com
um garoto portador da síndrome
de Down, cuja presença é sentida
ao longo de toda a trama e terá
participação decisiva no final.
Além deles, o Exército atua no
combate ao inimigo interplanetário, dando margem à criação dos
costumeiros estereótipos: o comandante doidão, o sub que quer
se vingar do chefe maluco, mulheres oficiais sedentas de sangue e
por aí vai.
Contando assim, fica difícil entender por que o título é "O Apanhador de Sonhos". Trata-se de
uma espécie de tapeçaria indígena que enfeita a cabana de um dos
heróis, base para a turma quando
os quatro participam de caçadas
nos bosques do Maine -o terreno onde se deu a chegada dos ETs.
Já que muito da história envolve
a questão da transmissão de pensamentos, o aparato e sua função
corporificada acabam também
entrando na dança. O livro, mesmo cheio de ação, está longe de
ser vertiginoso. Ao contrário, as
primeiras cento e tantas páginas
são bem chatinhas. É nelas que
King exerce sua proverbial mania
de repetir idéias, repisar frases,
acentuar detalhes e dar-lhes aparência de uma importância que a
história depois não confirma.
Por causa desse estilão, já virou
lugar-comum decretar que os textos de King ganhariam muito
com cortes de 20% a 40% -cada
crítico sugere sua medida. Pode
até ser verdade -afinal, é chique
prezar a elegância, a concisão e a
precisão do palavreado. Mas também é verdade que, com esse estilo, King pega o leitor pela mão e o
vai levando pela trama, faz a tensão crescer mesmo que aparentemente não esteja acontecendo
grande coisa: a insistência deixa o
leitor certo de que algo importante vai acontecer.
Quando ocorre, pode até ser
que dê a sensação de que a montanha pariu um rato, mas a partir
daí a trama se desenrola, estica,
tensiona e conquista o leitor que
aguentou até aquele momento.
Faz parte também dessa estratégia de King a organização simples
da história (ainda que cheia de
idas e vindas entre passado e presente) e o linguajar simplório. Afinal, os adultos que atuam na trama estão referenciados em seu
período de início de adolescência.
E King não está fazendo "grande literatura" (expressão que, para alguns críticos, parece merecer
ser escrita em letras maiúsculas e
douradas, acompanhada por coro
de anjos). Está nos oferecendo diversão. E boa.
O Apanhador de Sonhos
Dreamcatcher - A Novel
Autor: Stephen King
Editora: Objetiva
Tradutor: José Arantes
Quanto: R$ 51,90 (656 págs.)
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