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LIVROS/LANÇAMENTOS
HISTÓRIA
Pesquisador francês lança olhar sobre México e lê traços de Debret
Obra escava mestiçagens no Novo Mundo
SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA
Uma névoa espessa embaça a
visão dos historiadores, impedindo-os de compreender estes tempos de globalização. O diagnóstico é do francês Serge Gruzinski,
que aponta a razão: para ele, a história tem dado pouca importância ao tema das mestiçagens.
"O Pensamento Mestiço", que o
historiador e paleógrafo -especialista em México- da École des
Hautes Études en Sciences Sociales (Paris) lança no Brasil, é uma
tentativa de contextualizar as
mesclas culturais entre Europa e
Novo Mundo desde os descobrimentos e traçar sua influência na
história da América Latina.
O livro analisa diversas formas
tomadas pelas mestiçagens na
cultura, assim como os olhares
dispensados a ela. Sob sua lente
passam desde as iconografias indígena e barroca a obras do cinema contemporâneo.
Gruzinski analisa "O Livro de
Cabeceira" ("The Pillow Book",
1996), de Peter Greenaway, para
abordar a troca de olhares entre
Oriente e Ocidente e como se
transformam, ao longo do tempo,
as noções de exotismo, centro e
periferia dentro dessa relação.
O excelente filme de Wong Kar-wai, "Felizes Juntos" ("Happy Together", 1997), drama amoroso
sobre dois chineses gays que lutam para sobreviver em Buenos
Aires, é esquadrinhado para revelar o olhar asiático em relação à
América Latina.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista que Serge Gruzinski, que também participa de
uma coletânea de ensaios sobre
Debret (leia texto abaixo), concedeu à Folha.
Folha - O que é mestiçagem?
Serge Gruzinski - Creio que o
conceito de mestiçagem é uma
noção tipicamente latino-americana, conectada com os estudos
mexicanos e peruanos. Nós, europeus, utilizamos os conceitos de
"hibridação" ou de "sincretismo". Nem o inglês nem o alemão
têm uma palavra para traduzir a
idéia de mestiçagem. A globalização não é um fenômeno recente,
pois se manifestou desde o século
16 com o processo político chamado de "monarquia católica",
isto é, a união do Império português com o castelhano. Nessa primeira dominação mundial, proliferaram na Europa, África, Ásia e
América mundos misturados e
sociedades mestiças.
Folha - O México é o país mais
propício para o estudo das mestiçagens na América Latina?
Gruzinski - O caso mexicano é o
que melhor conheço. Está muito
bem documentado, pois não apenas temos documentos espanhóis, mas também fontes que
provêm das sociedades indígenas,
como pinturas ou esculturas.
No Brasil, os estudos dos povos
indígenas e as análises da iconografia colonial estão ainda em fase
pouco desenvolvida. Os que estão
sendo feitos sobre os índios da
Amazônia e sobre a sociedade colonial do Maranhão, por exemplo, demonstram que existe um
material excepcional que pode ser
comparado com o de muitas zonas do México e do Peru. Assim,
creio que será possível descobrir
fenômenos de mestiçagem tão
complexos e sofisticados como os
que estudei no México.
Folha - Acha que o conceito de
exótico tende a desaparecer com a
globalização, ou este se fortalece
na exploração que a indústria cultural faz do termo?
Gruzinski - Penso que a categoria
do "exótico" não está desaparecendo justamente porque as indústrias culturais não deixam de
aproveitar essa dimensão para
vender produtos não-europeus. É
verdade que a uniformização planetária dos modos de viver pode
criar a impressão de reduzir cada
vez mais o espaço das coisas exóticas. No entanto, os imaginários
coletivos mudam de modo mais
lento que as práticas locais.
Folha - Por que "Happy Together", de Wong Kar-wai, lhe parece
tão emblemático?
Gruzinski - O interesse que vejo
no filme de Wong Kar-wai está na
maneira subversiva como ele interpreta a realidade argentina a
partir de um olhar chinês. Em vez
de reproduzir os exotismos do
imaginário ocidental, ele projeta
uma visão asiática sobre Buenos
Aires, obrigando-nos a mudar o
nosso olhar tradicional e estereotipado sobre a América Latina.
Folha - Acha que a influência latina nos EUA será determinante para
a cultura ocidental neste século?
Gruzinski - Não pode passar desapercebido o crescimento da população de origem latino-americana nos EUA. Não podemos ignorar a vitalidade das culturas
mestiças que se desenvolvem na
fronteira que separa e une o México e os EUA. Basta citar o último
filme de David Lynch, "Mulholland Drive", que toma emprestado elementos da cultura mexicana em sua trama. Não posso profetizar o futuro, mas asseguro que
uma das frentes mais ativas de
criação cultural no mundo ocidental está nesta parte do mundo.
O PENSAMENTO MESTIÇO - de: Serge
Gruzinski. Editora: Companhia das
Letras. Tradutora: Rosa Freire d'Aguiar.
Quanto: R$ 38 (398 págs.).
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