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LITERATURA
"Sombras" argentinas de Soriano são relançadas
'Trevas' argentinas voltam em romance de Osvaldo Soriano
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Anos antes que as atuais nuvens
negras estacionassem sobre os
céus argentinos, já estava pronto
o grande retrato de suas sombras.
Ele não fôra pintado com as velaturas claro-escuras dos tangos
mais chorosos nem com a escuridão das lâmpadas estilhaçadas
dos supermercados saqueados de
Buenos Aires. Lançado em 1990
na Argentina, o livro "Uma Sombra Logo Serás" havia sido projetado era com as penumbras do
absurdo que há nos pares de bolsos absolutamente vazios.
O quinto romance de Osvaldo
Soriano (1943-1997), escritor tão
idolatrado na Argentina quanto
ignorado aqui, ou seja, muitíssimo, ambientava com maestria as
desesperanças individuais em um
país tragado pela recessão.
Publicado em português no
também recessivo Brasil de 1993,
o livro não chegou a sair da sombra. Nem os apelos de integração
cultural dos países do então emergente Mercosul ajudaram um dos
títulos mais aclamados da literatura argentina a sair dos cantos
das prateleiras.
Agora, em plenas trevas de estado de sítio, "Uma Sombra Logo
Serás" ganha sua segunda chance.
A editora Relume-Dumará, do
Rio, está relançando o livro que
começa com as ilustrativas frases:
"Nunca tinha me acontecido de
andar sem um tostão no bolso.
Não podia comprar nada e já não
tinha mais nada para vender".
O narrador não tem pesos nem
dólares, não tem nome, perfil físico nem destino, mas não é um herói sem caráter. Nem sem humor.
Em saborosas 200 páginas esse
misto de Dom Quixote, "O Estrangeiro", de Albert Camus, e
Buster Keaton vaga pelos confins
argentinos acompanhado de uma
trupe que inclui um "falso" italiano dono de um circo falido, uma
cartomante cujos filhos haviam
emigrado ao Brasil para montar
uma banda de rock e um ex-banqueiro que vive de trapacear nas
roletas de cassinos decadentes.
Entre uma ou outra carona em
carros que não alcançam a segunda marcha e um ou outro pernoite em hotéis de cujas janelas foram roubados os vidros, o protagonista, engenheiro de computação, sobrevive e questiona o porquê da sobrevivência. E, sem nada
na carteira, termina em uma mesa
de pôquer apostando suas melhores memórias.
O humor fino, que não leva à
gargalhada, mas faz cócegas nas
idéias, levou o "New York Times
Book Review" a uma definição estrambólica do livro: "Imagine um
road movie escrito por Dashiell
Hammett e Albert Camus, dirigido por Charlie Chaplin e ambientado por Salvador Dalí". Havia
um pouco de cada um deles na
obra do escritor, e bastante ainda
de Raymond Chandler, Alfredo
Di Stéfano e Astor Piazzolla, expoentes de três das paixões de Soriano: o romance noir, o futebol
argentino e o tango inteligente.
Esses elementos estão polvilhados
ao longo dos sete romances e cinco livros de crônicas escritos pelo
autor de Mar del Plata (que se orgulhava de pertencer a uma categoria especial, a dos "Osvaldos
com vê", como lembra o tradutor
de "Uma Sombra Logo Serás", o
escritor e jornalista Eric Nepomuceno).
Esse conjunto de livros, que lhe
valeu um contrato de US$ 500 mil
poucos anos antes da morte, precipitada por um câncer de pulmão, fez com que o escritor ganhasse a fama de um dos autores
argentinos mais lidos, prestigiados e amados das duas últimas
décadas.
A reedição de um de seus trabalhos mais importantes, que empresta seu título da letra do famoso tango "Caminito", abre a estrada para que sejam publicados por
aqui seus outros livros.
Ficam os votos para que Soriano deixe de ser no Brasil apenas
sobrenome de cantor brega.
UMA SOMBRA LOGO SERÁS ("Una
Sombra Ya Pronto Serás", escrito em
1990). De: Osvaldo Soriano. Editora:
Relume-Dumará (tel. 0/xx/21/2564-6869). Tradutor: Eric Nepomuceno.
Segunda edição. 200 págs. R$ 25.
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