São Paulo, sábado, 22 de dezembro de 2001

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LITERATURA

"Sombras" argentinas de Soriano são relançadas

'Trevas' argentinas voltam em romance de Osvaldo Soriano

CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Anos antes que as atuais nuvens negras estacionassem sobre os céus argentinos, já estava pronto o grande retrato de suas sombras.
Ele não fôra pintado com as velaturas claro-escuras dos tangos mais chorosos nem com a escuridão das lâmpadas estilhaçadas dos supermercados saqueados de Buenos Aires. Lançado em 1990 na Argentina, o livro "Uma Sombra Logo Serás" havia sido projetado era com as penumbras do absurdo que há nos pares de bolsos absolutamente vazios.
O quinto romance de Osvaldo Soriano (1943-1997), escritor tão idolatrado na Argentina quanto ignorado aqui, ou seja, muitíssimo, ambientava com maestria as desesperanças individuais em um país tragado pela recessão.
Publicado em português no também recessivo Brasil de 1993, o livro não chegou a sair da sombra. Nem os apelos de integração cultural dos países do então emergente Mercosul ajudaram um dos títulos mais aclamados da literatura argentina a sair dos cantos das prateleiras.
Agora, em plenas trevas de estado de sítio, "Uma Sombra Logo Serás" ganha sua segunda chance. A editora Relume-Dumará, do Rio, está relançando o livro que começa com as ilustrativas frases: "Nunca tinha me acontecido de andar sem um tostão no bolso. Não podia comprar nada e já não tinha mais nada para vender".
O narrador não tem pesos nem dólares, não tem nome, perfil físico nem destino, mas não é um herói sem caráter. Nem sem humor.
Em saborosas 200 páginas esse misto de Dom Quixote, "O Estrangeiro", de Albert Camus, e Buster Keaton vaga pelos confins argentinos acompanhado de uma trupe que inclui um "falso" italiano dono de um circo falido, uma cartomante cujos filhos haviam emigrado ao Brasil para montar uma banda de rock e um ex-banqueiro que vive de trapacear nas roletas de cassinos decadentes.
Entre uma ou outra carona em carros que não alcançam a segunda marcha e um ou outro pernoite em hotéis de cujas janelas foram roubados os vidros, o protagonista, engenheiro de computação, sobrevive e questiona o porquê da sobrevivência. E, sem nada na carteira, termina em uma mesa de pôquer apostando suas melhores memórias.
O humor fino, que não leva à gargalhada, mas faz cócegas nas idéias, levou o "New York Times Book Review" a uma definição estrambólica do livro: "Imagine um road movie escrito por Dashiell Hammett e Albert Camus, dirigido por Charlie Chaplin e ambientado por Salvador Dalí". Havia um pouco de cada um deles na obra do escritor, e bastante ainda de Raymond Chandler, Alfredo Di Stéfano e Astor Piazzolla, expoentes de três das paixões de Soriano: o romance noir, o futebol argentino e o tango inteligente. Esses elementos estão polvilhados ao longo dos sete romances e cinco livros de crônicas escritos pelo autor de Mar del Plata (que se orgulhava de pertencer a uma categoria especial, a dos "Osvaldos com vê", como lembra o tradutor de "Uma Sombra Logo Serás", o escritor e jornalista Eric Nepomuceno).
Esse conjunto de livros, que lhe valeu um contrato de US$ 500 mil poucos anos antes da morte, precipitada por um câncer de pulmão, fez com que o escritor ganhasse a fama de um dos autores argentinos mais lidos, prestigiados e amados das duas últimas décadas.
A reedição de um de seus trabalhos mais importantes, que empresta seu título da letra do famoso tango "Caminito", abre a estrada para que sejam publicados por aqui seus outros livros.
Ficam os votos para que Soriano deixe de ser no Brasil apenas sobrenome de cantor brega.


UMA SOMBRA LOGO SERÁS ("Una Sombra Ya Pronto Serás", escrito em 1990). De: Osvaldo Soriano. Editora: Relume-Dumará (tel. 0/xx/21/2564-6869). Tradutor: Eric Nepomuceno. Segunda edição. 200 págs. R$ 25.


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