São Paulo, sábado, 22 de dezembro de 2001

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CINEMA

Livro lançado nos Estados Unidos corrige erros históricos e apresenta o cineasta americano como rude e solidário

Biografia sai à procura de John Ford

AMIR LABAKI
ARTICULISTA DA FOLHA

James Stewart costumava dizer: "Reúna tudo o que você ouviu dizer, multiplique por cem, e ainda assim não terá um retrato de John Ford". O crítico norte-americano Joseph McBride seguiu a fórmula, durante aplicadas três décadas, e o resultado é uma monumental e definitiva biografia em 838 páginas, "Searching for John Ford - A Life" (Procurando John Ford -Uma Vida), lançada neste semestre nos EUA.
Para as novas gerações, quando muito restou a difusa imagem de John Ford como um antigo diretor de faroestes.
Morto há quase 30 anos, o diretor de "No Tempo das Diligências" (1939) parece hoje enterrado em enciclopédias de cinema e na memória de irritantes cinéfilos.
A popularidade de sua obra definhou na razão inversa de seu prestígio crítico. Sobretudo na última década, a bibliografia fordiana cresce sem parar, enquanto seus filmes não costumam se dar mal nos tradicionais levantamentos de melhores de todos os tempos (no mais recente da revista britânica "Sight & Sound", em 1992, "Rastros de Ódio" emplacou um honroso quinto lugar. Ford ficou em nono entre os diretores prediletos dos cineastas e em sexto entre os preferidos da crítica).
McBride lança agora o mais obrigatório dos volumes sobre John Ford. Antes, já contribuíra para a reavaliação de sua obra com um competente estudo escrito a quatro mãos com Michael Wilmington.
Nada se compara ao gigantesco trabalho para a biografia. McBride visitou das ruínas da casa irlandesa de onde emigrou a família paterna do diretor para os EUA, em finais do século 19, ao velório de seu personagem.
Sua minuciosa reconstituição torna-se ainda mais impressionante quando se conhece a tradicional resistência de John Ford em falar sobre si mesmo e suas obras (McBride bem que tentou, num episódio hilário recordado no livro). Pior: mais que levantar informações, coube ao biógrafo corrigir as milhares de pistas falsas distribuídas ou estimuladas pelo próprio Ford em mais de meio século de carreira em Hollywood.
"Quando a lenda se torna fato, imprima a lenda", dizia o editor do jornaleco local de "O Homem que Matou o Facínora" (1962), naquele que acabou por cristalizar-se como involuntário lema fordiano.
No próprio filme, como McBride registra certeiramente, Ford imprime os fatos, mas a força de uma nova lenda acabou derrotando o exemplo de seu criador.
Em "Searching for John Ford", McBride segue o exemplo de seu protagonista: imprime os fatos. Será difícil olhar para qualquer outro estudo fordiano sem desconfianças depois de navegar pelo quase milhar de detalhistas páginas.
Em especial, revela-se toda a fragilidade da biografia oficial familiar escrita pelo neto, Dan Ford ("Pappy: The Life of John Ford"), metodicamente corrigida por McBride a cada dezena de páginas.
A nova biografia resgata a verdade de episódios que vão do nascimento e batismo de John (e nunca "Sean") Martin Feeney numa família de mais que remediados imigrantes irlandeses da Nova Inglaterra em 1894 (e não 1895) até a posição cética (e não patrioteira) frente à Guerra do Vietnã do cineasta já próximo da morte.
John Ford emerge do livro como um homem rude, diretor carrasco, marido omisso, pai relapso e beberrão contumaz.
Foi ainda muito mais solidário com a classe do que se imagina, muito menos conservador do que se apregoa, muito mais humano do que gostaria. Tornou-se, enfim, um personagem à altura da própria obra. É chegada a hora de voltar a ela.


Searching for John Ford - A Life
    
Autor: Joseph McBride
Editora: St. Martin's Press
Quanto: US$ 40 (838 págs.)
Onde encomendar: www.amazon.com; www.bn.com




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